Saúde e bem-estar

Dating burnout: quando o uso de apps de relacionamentos leva à exaustão

Usuários manifestam cansaço em relação à dinâmica típica das plataformas de encontro

Por Da Redação
Publicado em 28 de novembro de 2023 | 06:30
 
 
Conheça o 'dating burnout', fenômeno associado à sensação de cansaço ao usar aplicativos de relacionamento Foto: iStockphoto/ Getty Images

Cansada de investir tempo e atenção em relações que julga superficiais, a estudante de cinema Camila Braga decidiu dar um tempo e se afastar dos aplicativos de relacionamento, embora reconheça que, por muito tempo, eles foram uma ponte eficiente para que ela encontrasse parceiras. “Tenho tentado conhecer as pessoas e suas histórias mais a fundo para saber quem são e como são. Para mim, isso é fundamental. O problema é que, nesse ambiente, as trocas, que acontecem geralmente com várias pessoas simultaneamente, tendem a ser pouco consistentes”, critica. 

Camila diz estar ciente que, com a decisão, sai em desvantagem em um mundo que vem atravessando um acelerado processo de virtualização das interações entre pessoas. “Sei que a presença nesses apps pode representar uma vantagem para quem está solteira, para quem está buscando parcerias. Mas estou exausta dessa dinâmica”, desabafa, fazendo menção a uma sensação que vem se tornando tão comum que, hoje, atende por nome próprio: estamos falando do “dating burnout”,  termo usado para descrever o cansaço emocional causado pelo uso excessivo de aplicativos de relacionamento, com expectativas frustradas, que pode ocorrer por vários motivos, como a falta de conexão real com as pessoas que se conhecem online, a sensação de que se está sempre procurando algo melhor, a pressão social para encontrar um parceiro, a rejeição frequente ou o assédio online. 

“O chamado ‘dating burnout’ é uma variação informal, não presente na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS), da síndrome de burnout”, explica o psicólogo clínico Rodrigo Tavares Mendonça, acrescentando que, no burnout, a pessoa apresenta sintomas crônicos de estresse, de esgotamento físico e mental, desencadeados por pressões no ambiente de trabalho. “Ela pode apresentar sintomas de ansiedade, como cansaço excessivo, dor de cabeça, insônia, dificuldades de concentração e dores musculares; de depressão, como humor triste, desânimo e sentimentos de fracasso e desesperança; e vivências traumáticas, como crises de pânico quando se conectam com lembranças de sofrimento no ambiente de trabalho”, detalha.  

“O que está acontecendo atualmente é que muitas pessoas estão relatando sintomas semelhantes aos do burnout desencadeados não por pressões no ambiente de trabalho, mas por frustrações amorosas repetidas”, reflete o especialista. “A pessoa se sente esgotada emocionalmente, cansada de repetir experiências amorosas de frustração, e acaba desenvolvendo medo ou pelo menos preguiça ou ranço excessivos, para usar uma linguagem mais popular, de iniciar novos relacionamentos amorosos. Podem estar associados a esse esgotamento muitos sintomas ansiosos, depressivos e mesmo traumáticos”, conclui. 

Implicações 

Lembrando que o “dating burnout” não é uma categoria diagnóstica formal, não sendo necessário um diagnóstico diferencial, Rodrigo Tavares Mendonça pondera que, assim como acontece com a síndrome de burnout, o problema pode levar o indivíduo a apresentar sintomas ansiosos e depressivos suficientemente graves para justificar o diagnóstico de um transtorno ansioso ou depressivo, dependendo do tipo de sintomas apresentados. “Nesse sentido, o esgotamento desencadeado por frustrações amorosas repetidas precisa ser levado a sério, pois pode fazer a pessoa desenvolver transtornos mentais graves ou entrar em situações de sofrimento intenso”, informa. 

Nesse caso, quais são as melhores estratégias para superar o “dating burnout” e recuperar a motivação e a confiança para se relacionar? Para Mendonça, a própria pergunta aponta a resposta: a pessoa precisa confiar novamente nas pessoas. 

“O que muitas vezes acontece é a pessoa desenvolver um trauma de relações amorosas e começar a acreditar que nenhum homem ou nenhuma mulher merece confiança, que no fim todos e todas farão a mesma coisa. Essa crença generalizada, construída com base em situações específicas, é claramente um erro. Os homens e as mulheres não são todos iguais. E existem muitas pessoas que merecem a nossa confiança, precisamos inclusive acreditar nisso para que as nossas relações sociais sejam significativas para nós”, reflete o psicólogo, pontuando que a pessoa em estado de esgotamento pode se sentir sem força para tentar novamente. Mas ele adverte que simplesmente desistir não é uma opção saudável.  

“A repetição de relacionamentos frustrantes indica que a pessoa pode estar facilitando a frustração, seja por criar expectativas exageradas e precoces, seja por estimular no outro exatamente o comportamento que não deseja. Conversar com pessoas de confiança sobre essas relações frustradas pode ajudar a pessoa a ver a situação por outro ponto de vista, talvez compreender melhor o que aconteceu”, aponta, reconhecendo que afastar-se temporariamente de aplicativos de relacionamentos pode, sim, ser importante para diminuir a ansiedade por esperar o match perfeito ou a mensagem de uma pessoa específica. “Além disso, fazer psicoterapia pode ser fundamental para a pessoa identificar possíveis erros em seu próprio comportamento e, assim, promover mudanças”, completa. 

Moderação 

Rodrigo Tavares Mendonça acredita que aprender a dosar as expectativas é importante para construir relações mais satisfatórias, o que reduz as chances de um “dating burnout”. “Expectativas exageradas, especialmente se criadas precocemente em um relacionamento, podem assustar, às vezes estimulando no outro exatamente o afastamento temido”, avalia. De outro lado, ele indica que a ausência de conversas claras sobre o que se espera do relacionamento, muitas vezes por medo de querer levar o relacionamento a sério cedo demais, pode facilitar o não envolvimento do outro. “É preciso também não aceitar menos do que você quer e não ficar esperando a mudança do outro, como se estivesse faltando alguma coisa no parceiro ou parceira e você tivesse de ficar esperando alguma coisa acontecer para finalmente ele ou ela assumir o relacionamento”, diz.  

Outra questão que pode contribuir para o problema é a pressão social e as expectativas alheias em relação à nossa vida amorosa. Nesse sentido, o psicólogo lembra aos solteiros que não existe um único modelo para se viver a vida de forma feliz e saudável e que ter um relacionamento sério não é a solução garantida de uma vida melhor. “Estar solteiro ou solteira não é uma perda de tempo, então muitas vezes não se justifica a pressa”, explica.