Exaustão

Estafa endêmica explica por que cansaço diário não passa

Livro “Exhaustion: A History” mostra que lidar com o fenômeno é uma das lutas pessoais mais antigas, agravada pela era da conexão full time e da competitividade extrema

Dom, 28/08/16 - 03h00
Sem saber a real causa de seu cansaço, Naiana o atribui à ‘curva dos 30’ | Foto: Mariela Guimarães

Pesquisas comprovam: a humanidade está cansada. A denominada “estafa endêmica” – sentimento de esgotamento que não passa – piorou muito com a chegada da sociedade da informação: excesso de estímulos, alta conectividade e estresse contribuem para uma população cada vez mais cansada. Mas a relação com a estafa é antiga: a pesquisadora inglesa Anna Katharina Schaffner descobriu que o sentimento é algo que acompanha as pessoas há muito mais tempo do que a internet e a tecnologia.

Em seu recém-lançado livro “Exhaustion: A History” (“Exaustão: Uma História”, em livre tradução), ela mostra como lidar com o cansaço é uma das lutas individuais mais antigas da humanidade, que começou na Era Clássica.

A estafa já foi atribuída a causas médicas, a um desejo perverso de morte, a problemas sociais e econômicos e até – pasme – ao alinhamento dos planetas. “Patologizada, demonizada, sexualizada e até transformada em arma, a exaustão une a mente com o corpo e a sociedade de tal forma que ligamos questões maiores de agentes, força de vontade e bem-estar a seus sintomas”, analisa a pesquisadora.

Nos dias de hoje, uma combinação de fatores faz com que pareça impossível descansar, explica o psiquiatra Maurício Viotti, professor da Faculdade de Medicina da UFMG. “No ciclo normal, existe um desafio, o corpo sofre uma dose de estresse, a pessoa supera, e há um período de relaxamento. Mas agora a sensação é a de que não conseguimos superar todas as novidades. Isso tem a ver com o excesso de informação, com a globalização, a crise, a competição no trabalho. São desafios demais”, atesta.

Com tantas obrigações, é como se as pessoas estivessem sempre “devendo” alguma coisa, diz o especialista. Essa dívida gera um desgaste, que cobra seu preço. Com o tempo, começam a surgir as doenças psicossomáticas, os transtornos de ansiedade, o estresse e até inflamações, segundo Viotti.

Idade. Entre todos os motivos possíveis, foi à “curva dos 30” que a comerciante Naiana Lamines, 32, atribuiu seu cansaço. “Começou há mais ou menos um ano e meio, e minha vida mudou totalmente. Antes, eu saía de segunda a segunda, independentemente se tinha trabalhado muito ou não. Acho que fazer 30 anos mexeu demais com minha cabeça”, lamenta.

Sem saber de onde vem tanto desânimo, ela desconfia de causas fisiológicas. “Parei de tomar anticoncepcionais há uns três meses, e notei uma melhora. Agora, vou fazer exames para ver se não é mesmo nenhum problema hormonal”, planeja Naiana.

Poder da palavra. Para a coach Aline Caldas, especialista em desenvolvimento pessoal e profissional, uma das raízes da estafa endêmica está naquilo em que se acredita. “Isso começa com aquelas postagens de ‘bem-vinda, sexta-feira’ e ‘minha cara de (mau humor na) segunda-feira’ que tanto vemos no Facebook. Você se programa para se sentir mal”, diz. A solução, segundo ela, está em menos lamentação nas redes sociais e mais atenção para si mesmo.

Sair do ciclo da exaustão é possível

A administradora Mariana de Melo Trindade, 27, é um exemplo de que é possível sair do ciclo da estafa. Em 2013, ela estava no limite: “Deitava na cama e ficava fazendo listas mentais, não conseguia parar de pensar. Até quando eu não fazia nada, estava cansada. Tive uma crise de sinusite que durou um mês e evoluiu para uma pneumonia”, conta.

Depois de um “puxão de orelha” de sua médica, Mariana mudou completamente o estilo de vida. “Comecei a tirar do meu dia a dia coisas que me atrapalhavam. Me desgrudei do celular, comecei a fazer as refeições à mesa, sair para lugares abertos, em vez de shoppings ou baladas”, conta. Ela também trocou a academia pela ioga e começou a fazer meditação. “Atualmente, nunca estive tão tranquila, mas é um processo diário”, diz. (RS)

Minientrevista

Aline Caldas
Coach em desenvolvimento pessoal

Por que as pessoas, de forma geral, se sentem tão cansadas?

Eu mesma passei por um período de estafa endêmica. Estudando isso, entendi alguns processos em que entramos para chegar a essa estafa. Isso passa muito pelas coisas que vemos no Facebook, como ‘bem-vinda, sexta-feira’, ou ‘minha cara de (mau humor na) segunda-feira’. Você se programa para se sentir mal, relaciona a segunda-feira ao cansaço. Isto tem que ser verificado, o quanto estamos acreditando em coisas incorretas.

Há outros fatores?

Sim. As pessoas estão desconectadas de si mesmas e não estão ouvindo a si mesmas. Elas estão tão preocupadas com o mundo externo que se esquecem de seu momento consigo mesmas. 

Há jeito, então, de não sucumbir à estafa?

Sim! Há pessoas que vivem bem não têm essa estafa crônica. 

Como fazer a transição?


Entra em voga a resiliência. As pessoas resilientes não entram nesse círculo vicioso do estresse. Não é uma tarefa fácil, é uma musculação mental e emocional. Primeiro, a pessoa deve estar consciente de que está nesse círculo. A partir do momento em que inicio esse processo de autoconsciência, sei que sou eu quem precisa mudar isso para mim, não posso depender que outros mudem.

Em termos práticos, o que a pessoa deve fazer?

Administrar o tempo da forma que é mais coerente, porque, às vezes, queremos abraçar o mundo. Priorize as coisas que lhe dão mais prazer e, se não conseguir fugir de uma tarefa desagradável, se dê uma recompensa por ela. Você pode dizer para si mesmo: ‘Hoje eu tenho que lavar roupa. Mas depois vou ter meia hora pra terminar aquele livro ótimo’. Outra coisa importante é escolher suas brigas. Selecione aquilo pelo que vale a pena ficar chateado ou com raiva e o que não vale. Trânsito, por exemplo, não vale. Avalie aquilo com o que vale a pena gastar energia. A dica maior é ter consciência e ouvir a si mesmo. (RS)