Entrevista

“Ficar em Marte não vai ser como uma colônia de férias” 

Sandra Maria Feliciano - Professora, advogada, escritora Uma das cem pessoas pré-selecionadas em todo o mundo para integrar a missão Mars One, que pretende formar a primeira colônia de seres humanos no planeta marte

Por Da Redação
Publicado em 26 de fevereiro de 2015 | 03:00
 
 
“Fiquei surpresa quando soube que era a única brasileira aprovada” Foto: Faculdade Porto/FGV

Única brasileira a ser selecionada para o polêmico projeto que pretende começar uma colônia terráquea no planeta vermelho a partir de 2025 fala por que decidiu se inscrever, como foi o processo seletivo, os seus medos e do que mais sentiria falta da Terra.

Ler sobre o espaço sempre foi um assunto pelo qual você se interessou?

Sim, desde criança. Eu aprendi a ler muito cedo e devorava os livros de ficção científica, imaginando que tudo aquilo poderia ser possível. Lembro que, ao assistir ao astronauta Neil Armstrong indo para a Lua, eu fui à loucura e disse que também queria fazer aquilo e, por muitos anos, mantive o sonho. Mas a vida foi mudando, meu pai veio para a região amazônica, onde vivo há 40 anos, mas sempre continuei pesquisando, porque escrevo livros de ficção científica.

Como ficou sabendo do projeto Mars One?

Em uma das pesquisas para os livros, deparei-me com o projeto. A princípio, eu olhei aquilo com incredulidade, mas depois comecei a analisar o processo, a viabilidade técnica, as pessoas envolvidas e vi que era sério.

O que te atraiu nessa missão que te fez decidir se inscrever?

A perspectiva de poder viver uma aventura, conhecer coisas completamente diferentes, vivenciar novas experiências e, principalmente, participar de algo que vai ficar para a posteridade. Poucas pessoas durante a vida têm a certeza de estar fazendo algo que vai servir em benefício da humanidade e contribuir para a continuidade da sua espécie.

Foi fácil tomar essa decisão?

Não me decidi imediatamente. Fiquei uns 15 dias pensando no assunto, nas consequências e nos riscos para depois me decidir e me inscrever. Só depois de algum tempo fui contar para a minha família, e eles não gostaram muito da ideia, mas me apoiaram.

O que eles disseram?

Inicialmente, a pessoa que de cara já me apoiou foi o meu pai. Ele achou a ideia fantástica e saiu contando para todo mundo. Então, de inteligente, eu passei a ser considerada a louca da família. A minha mãe não gostou da ideia. A primeira manifestação dela foi no dia 31 de dezembro. Eu havia recebido o resultado da seleção no dia 30 e resolvi contar no café da manhã. Ela botou a mão na cintura e rodou a baiana literalmente, dizendo que me proibia de ir para Marte. Ela ficou muito irritada, mas agora já se acostumou.

Ser solteira e não ter filhos facilitou a sua decisão?

Com certeza. Porque, se eu tivesse (filhos), eu não faria isso, por uma questão de responsabilidade com a educação deles.

Como foram as etapas do processo seletivo?

A primeira seleção partiu de 200 mil candidatos para 1.058. Depois, tivemos que fazer vários exames médicos, pois é necessário ter uma saúde perfeita. Nenhum tipo de doença, nem mesmo uma simples alergia, é admissível. Com isso, reduziu para 705 candidatos e, depois, cerca de 600. Na sequência, teve a seleção com provas orais até eu chegar entre as cem. Ainda terá mais duas seleções, reduzindo para 40 pessoas e depois as 24 finais. Mas o fato de ficar entra as 24 não é garantia de ir a Marte. Ainda terá um treinamento de oito anos, no qual teremos que desenvolver certas habilidades e sair com uma formação na área de medicina ou engenharia, além de outra complementar, como geologia.

Como foi quando você recebeu o resultado?

Eu estava bastante cansada, pois não tinha tirado férias, então resolvi descansar em Salvador no Carnaval e recebi a notícia lá. Fiquei surpresa quando um amigo me ligou e disse que eu era a única brasileira aprovada.

O que você acha que Marte pode te proporcionar e o que encontraria por lá?

Além da experiência singular, poder vivenciar um espaço novo e poder levar uma existência diferente da que levaria na Terra, lá vamos ter muito trabalho, teremos que produzir oxigênio, água, alimento e construir a colônia. Vai ser um trabalho árduo, não vai ser uma atividade fácil. Não vai ser uma colônia de férias.

Por ser uma viagem sem volta, não te dá medo?

É uma das coisas que mais impacta quando se imagina. Mas esse projeto pretende fazer a colonização de Marte, e não faz o menor sentido as pessoas começarem a ir e voltar. Isso na minha cabeça já está muito bem resolvido, pois não vou perder o contato com a minha família, vamos conseguir nos comunicar, certamente que com “delay” (atraso). Talvez eu sinta bastante falta do contato físico, mas não me dá medo.

Qual seria a maior dificuldade?

Uma delas é o impacto da baixa gravidade no corpo humano. Os corpos certamente serão alterados de alguma forma, pois a gravidade em Marte é 38% da gravidade da Terra. Outros serão problemas de ambientação. Marte não vai oferecer os mesmos confortos que temos aqui na Terra, como a questão da capacidade de atendimento às necessidade médicas. Algumas doenças não serão tratadas de forma alguma. Vão existir muitas dificuldades.

Essa vontade seria porque você já realizou todos os seus sonhos aqui?

Imagina. Sou um ser humano que a cada hora sonha com alguma coisa diferente, sempre tem sonhos novos a realizar o tempo todo, e que, em qualquer lugar, planeta e dimensão, sempre vai querer mais. Mas isso não me impede de tentar outras coisas.

Você já teve outras ideias inusitadas como essa?

Eu tinha medo de altura e ficava indignada por sentir esse medo, de ser dominada. Aí fui saltar de paraquedas, e isso curou o meu medo de altura. Tenho algumas atitudes radicais em relação a mim mesma para solucionar meus próprios problemas. Eu levo uma postura diferente em relação à vida. Sempre gosto de assumir projetos que as pessoas acham inusitados e que não assumiriam.

Que tipo de projetos por exemplo?

Comecei a dar aula de química porque não existiam professores e ninguém queria assumir a cadeira de química na escola. Então eu disse: “me dá isso que eu vou estudar e eu quero dar aula de química”. A diretora me olhou com uma cara de estranheza, como quem diz “que mulher maluca”, mas os alunos adoravam. Depois resolvi fazer um clube de ciências para difundir aos alunos que odiavam a matéria. Fizemos uma campanha para recolher garrafas pet e conseguimos mais de cinco toneladas. Eu abarco projetos meio diferentes para as pessoas em relação a ciência e meio ambiente.

Além da família, do que você acha que sentiria mais falta?

Seria principalmente do contato com os outros seres humanos. Vi um astronauta falando que, mesmo existindo outras pessoas a sua volta, você sente falta do contato com outras pessoas. Também acho que sentiria falta do cheiro da Terra. Pequenas coisas a que estamos tão acostumados e cuja importância não percebemos. Mas, provavelmente, eu só vou perceber se tiver a oportunidade de ir.

Gostaria de deixar alguma mensagem?

Apenas pedir para que as pessoas visitem a página do projeto (www.mars-one.com) para que elas possam buscar mais informações, discutir mais amplamente o assunto, que é muito interessante, e perceber que a missão é exequível, possui viabilidade técnica e é séria. É curioso e singular, mas não é doido.