Maternidade

Mães sem rede de apoio sofrem com pressão e dificuldades no mercado de trabalho

Pauta é coletiva, mas mulheres ainda enfrentam um sistema machista, patriarcal e capitalista

Por Da Redação
Publicado em 26 de outubro de 2021 | 04:51
 
 
Por não terem uma rede de apoio estruturada, muitas mães não conseguem trabalhar ou estudar Foto: Pixabay

Em maio, às vésperas do Dia das Mães, a atriz, cantora e instrumentista mineira Júlia Tizumba lançou o single “Mãe na Pandemia”, desabafo bem-humorado sobre o quanto o período pandêmico evidenciou as multitarefas às quais mães são submetidas. A música repercutiu nas redes sociais, ganhou os grupos de WhatsApp e foi compartilhado para além de Minas Gerais. “Mãe na Pandemia” foi composta por Luísa Toller e produzida por Neila Kadhí. Júlia e a dupla assinam os arranjos. “A música trouxe bom humor para um assunto que é tão complexo, pesado e denso”, diz Júlia. 

Sobrecarregadas, muitas mães abdicam de emprego, lazer e estudo quando não têm a tão falada rede de apoio, aquele grupo de familiares, amigos ou vizinhos que está ali para ajudar a maternidade a ser mais leve e tirar do colo da mulher tarefas que devem ser divididas. Mãe de Serena, 5, e de Iara, 1, Júlia Tizumba busca na sabedoria dos povos originários um ensinamento sobre redes de apoio, que diz: “É necessário uma aldeia para se educar uma criança”.

“Mas, no sistema machista, patriarcal e capitalista, tudo recai sobre a mulher. Existe mãe, pai e rede de apoio. Tem gente que acha que pai é rede de apoio! Pai é pai, gente! Pai está cuidando do que é dele, não está olhando ou ajudando”, ela faz questão de dizer.

A série “Maid”, sucesso na Netflix, também escancarou o problema ao retratar uma jovem mãe que se vê presa em diversos contratempos pela falta de uma rede de apoio. Para Júlia, que não sofre com a falta de apoio que marca a vida de muitas mães, essa é uma pauta coletiva de importância social e humanitária, “e a pandemia esfregou na cara da sociedade essa questão”.

A cantora afirma que a falta desse suporte afeta mães em aspectos físicos e mentais. Segundo a artista, há uma conta que não fecha: “O mercado de trabalho quer que sejamos profissionais como se não fôssemos mães; e a sociedade quer que sejamos mães como se não fôssemos profissionais. E, nesse quebra-cabeça, sobra muito pouco espaço para a gente ser mulher, múltiplas em todos os sentidos”. 

A diarista Ester Pereira Carvalho, 36, é mãe de Stephanie, 20, e Davi, 2. Ela diz que viveu situações bem diferentes nas duas gestações. Com Stephanie, Ester, até por ser muito jovem, teve muito apoio da mãe e não precisou colocar a filha em uma creche logo nos primeiros meses. “Eu conseguia sair para trabalhar e não precisei me preocupar com escolinha antes de a Stephanie completar um ano”, ela lembra. Quase 20 anos depois, em contextos completamente distintos, Ester sentiu o peso de não ter uma rede de apoio. 

Grande parte da família da diarista mora na Bahia, e quem está em Belo Horizonte, pela rotina atarefada, não consegue ser o suporte que Ester precisa. “Minha mãe tem problema de saúde, e não tive esse apoio para cuidar do Davi, tanto que, assim que saí da licença-maternidade, perdi meu emprego”, ela conta. 

Durante a pandemia, Stephanie concluiu o ensino médio com o curso técnico-administrativo e viu seu estágio chegar ao fim. Com isso, ela pôde ficar com o irmão para que a mãe pudesse voltar a fazer faxina em dias pontuais. “Conheço muitas mães que passam por isso também e histórias até piores que a minha, porque ainda tenho a ajuda da minha filha e da minha mãe, que tem problema de saúde, mas faz o que pode”, pontua Ester, que vê uma cobrança excessiva e injusta em cima da mulher e diz sentir insegurança, medo e um sentimento de impotência. Para ela, o recorte social é revelador, e mulheres de classes mais baixas têm ainda mais dificuldades.

A assistente social Vi Coelho, 35, trabalha na ONG Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Sediada em Brasília e com atuação em Belo Horizonte, a entidade promove os princípios dos direitos fundamentais das mulheres sob uma perspectiva feminista e de igualdade e justiça entre os gêneros. O impacto da falta de uma rede de apoio e as consequências desse peso colocado sobre as mulheres atravessam pesquisas, debates e ações da Anis.

Mãe de Benjamim, 3, Vi diz que o assunto está em seu cotidiano o tempo inteiro, já que ela também é cantora dos blocos Havayanas Usadas e Pele Preta, além de atuar no coletivo Negras Autoras e na Agência de Iniciativas Cidadãs (AIC).  

“Em algum momento, já vivi isso com muito desespero. ‘Vou ter que parar minha vida, meu Deus! Como vou criar meu filho e trabalhar?’, cheguei a pensar”, comenta Vi, que é mãe solo. Morar no mesmo bairro que os pais é uma das estratégias que ela buscou para facilitar sua rotina e ter o auxílio da família mais presente. “Eles são o principal suporte que eu tenho. Sem meus pais, eu não conseguiria”, pontua. 

Papel do Estado

Vi Coelho ressalta a necessidade de investimentos em políticas públicas para a educação infantil. Atualmente, Belo Horizonte conta com 145 Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis), que recebem crianças de 0 a 5 anos, distribuídas pelas nove regionais da capital. A rede conveniada é formada por 207 estabelecimentos de ensino (creches) para atendimento exclusivo à educação infantil.

Ao todo, são 79.636 crianças atendidas em BH. “É fundamental para a emancipação da mulher que as Emeis sejam vistas também como política de igualdade de gênero, para que essas mulheres possam ter lazer, estudar, praticar esportes e buscar aperfeiçoamento profissional”, destaca a assistente social.

A psicóloga Ana Resende pondera que a carga mental imposta às mulheres que não contam com momentos para se cuidarem é imensa. Mãe de uma garotinha de 3 anos, ela trabalha com educação infantil e afirma que ter uma rede de apoio estruturada e presente é, do ponto de vista da individualidade, positivo tanto para mães quanto para os pequenos.

“A criança precisa desenvolver habilidades de comunicação, e esses momentos sem a mãe trazem desafios importantes. Para as mães, é saudável ter pequenos respiros também, porque ninguém dá conta de pensar em tudo ao mesmo tempo, trabalhar, cuidar de criança e ainda ter os horários em função dos filhos”, comenta Ana, que tem na irmã um importante suporte. 

Conheça grupos de trocas de experiências sobre rede de apoio e assuntos relacionados à maternidade:

Padecendo no Paraíso (@padecendo)

Grupo Amor de Mãe BH (@grupoamordemaebh)

Think Olga (@think_olga)

Espaço Colaborativo Amor de Mãe (@espacoamordemae), primeira loja colaborativa de mães empreendedoras do Brasil