Espiritualidade

Meta de andarilho é percorrer os cinco principais itinerários do mundo

Roteiro prevê um trajeto total de mais de 5.500 km até o ano de 2020

Por Da Redação
Publicado em 04 de junho de 2019 | 03:00
 
 
O peregrino Antônio Júnior caminha em meio à natureza exuberante do itinerário italiano Foto: Antônio Júnior/divulgação

Em 2014, o paulista Antônio Júnior, morando desde criança em São João del Rei, em Minas, percorreu de bicicleta o Caminho de Santiago de Compostela. Formado em administração de empresas, gestor do ramo de turismo e amante da natureza, de caminhadas e corridas de montanha, ele quis reviver a experiência, mas, desta vez, não de bicicleta.

“Sabia que percorrer o caminho a pé seria uma experiência ainda mais intensa que a primeira. E foi quando eu planejava a peregrinação que idealizei o projeto Caminhos Peregrinos. Por que não buscar pela experiência de percorrer itinerários sagrados em vários locais do mundo? Por que não mesclar culturas, filosofias e até religiões diferentes dentro do projeto?’, refletiu.

O projeto Caminhos Peregrinos envolve mais de 5.500 km de caminhada e contempla as cinco vias de peregrinação mais conhecidas do mundo: a Via Francigena, na Itália; a ilha de Shikoku, no Japão; a Via da Misericórdia, que vai da Itália à Polônia; o Caminho de Abraão, na Jordânia; além do próprio Caminho de Santiago, na Espanha.

O projeto consiste ainda numa série de cinco livros e documentários que, em tom confessional, cobrem de maneira original os cinco caminhos sagrados.

Júnior percorreu a Via Francigena, de 1.100 km, em 2018, iniciando em Saint-Rhemy-en-Bosses e terminando no Vaticano, em Roma. “Ela foi utilizada na Idade Média como rota religiosa por aqueles que moravam no norte da Europa para chegar até o Vaticano (Roma). Muitos reis fizeram essa peregrinação para se encontrar com o papa”, explica.

Os mais de 800 km do caminho espanhol ele fez em 2017, partindo da cidade francesa de Saint-Jean-Pied-de-Port até Santiago de Compostela, tendo passado por mais de 200 cidades e povoados em 28 dias de peregrinação. “Conhecido mundialmente, esse é um itinerário cristão rumo à catedral onde se encontra o sepulcro do apóstolo Tiago”, diz ele.

Para 2020, está previsto o trajeto de 1.200 km nas ilhas Shikoku, passando por 88 templos budistas. Nessa jornada, pode-se iniciar e finalizar a peregrinação no mesmo lugar, pois trata-se de uma volta na ilha.

Em 2021 será a vez da Via da Misericórdia, percurso de 1.770 km. “A ideia é fazer parte do trajeto saindo de Viena, na Áustria, com final na Cracóvia, na Polônia”, diz o peregrino.

E, em 2022, o Caminho de Abraão, conhecido como ‘caminho da paz’, “apesar de ficar em uma área de conflitos religiosos. São 1.100 km partindo da Síria, cruzando o Líbano, Jordânia e Cisjordânia, passando por Jerusalém e terminando em Al Khalil. Abraão é reconhecido pelos judeus, muçulmanos e cristãos e, por isso, ele dá nome ao caminho”, observa Antônio Júnior.

Para ele, o caminho só tem início após cinco ou seis dias. “Nesse momento deixamos a fase do corpo, das dores musculares e passamos a viver a fase da mente e, lá na frente, a espiritual. Dificilmente uma pessoa inserida numa jornada de 30 a 40 dias não reflete sobre o rumo da própria vida”, comenta.

Raramente, ressalta ele, “o peregrino não vê nos outros caminhantes e no próprio caminho alguma motivação que o faça parar e refletir”. “Dificilmente se volta de uma peregrinação da mesma forma como se saiu”, comenta Júnior.

Católico, o peregrino acredita que tanto o Caminho de Santiago de Compostela como a Via Francigena, itinerários cristãos, estimulam a fé e a espiritualidade.

“São vários os motivos para se peregrinar: aventura, esporte, cultura, história e fé. Cada um tem seu propósito, mas, independentemente do motivo, o caminho acaba impactando a grande maioria das pessoas. Ele faz com que elas vivenciem uma experiência que mexe com seu ‘eu profundo’’’.

O caminho se faz ao caminhar

O peregrino Antônio Júnior coleciona algumas situações inesquecíveis, umas de superação e outras de “perrengue” nos dois caminhos já trilhados. Mas uma, especialmente, tocou seu coração. “Estava percorrendo o Caminho de Santiago de Compostela e pernoitei em um vilarejo chamado Cebreiro, na noite de sábado para domingo, Dia das Mães. Eu sempre preparava meu café da manhã, mas naquele domingo sentia-me inquieto e queria começar a caminhada”, relembra.

Ele diz que saiu cedo do albergue e, 5 km ou 6 km depois, resolveu parar em uma mercearia para fazer um lanche. “Vi que os peregrinos estavam entrando pela porta da frente, mas não sei por quê, resolvi entrar pelos fundos do bar e dei de cara com um tear montado e pronto para uso. Ele era muito parecido com o que minha mãe usava”, comenta.

Na época em que era adolescente, ele ajudava a mãe a finalizar as entregas. “Era nosso cotidiano. Quando vi aquele tear, bateu uma emoção muito forte e comecei a chorar. Ele me trouxe a lembrança de minha mãe. Eu me senti acolhido, seguro, nostálgico, saudoso e triste. Na verdade, uma avalanche de sentimentos me invadiu, pois havia perdido minha mãe de forma trágica, em 1995”, observa Júnior.

A percepção do peregrino fica aguçada. “Durante a caminhada, estamos mais atentos à natureza, ao meio, a nós mesmos. Nossa percepção fica mais apurada para ver e entender os sinais que estão sempre presentes na jornada”, diz o caminhante.

Ele conta que o caminho acaba unindo os peregrinos. “Estamos na mesma situação (independentemente da motivação) e nos tornamos solidários e atentos ao outro. No meu caso, a conexão mais importante foi comigo mesmo e com minha espiritualidade, esquecida pela rotina da vida”.