CONSTELAÇÃO FAMILIAR

Método mostra que a origem dos nossos traumas está no passado familiar

Constelação que vem do alemão “Familienaufstellung, que significa colocar a família em posição

Por Da Redação
Publicado em 20 de setembro de 2023 | 07:27
 
 
Jornalista por 27 anos, Miriam Chalfin se descobriu na constelação familiar Foto: Juliana Barros/Divulgação

Miriam Chalfin passou a ter um medo repentino de escuro. “Eu tinha que dormir com a porta do banheiro aberta, para entrar uma claridade, ou ter aquelas luzinhas para bebê que você põe na tomada”, lembra. A situação foi só piorando, até que ela passou a viver cenas típicas de filmes de terror. Em certa noite, por exemplo, ao se levantar para fazer xixi, a caminhada até o vaso sanitário se tornou uma longa e angustiante experiência. “A impressão era de que o meu quarto era do tamanho do Mineirão. Comecei a ter taquicardia e sintomas da crise do pânico, procurando o lugar para acender a luz. Aí o meu marido pôs a mão no meu ombro e foi me levando até a porta do banheiro”. 

O mistério só foi desfeito meses depois, quando teve contato com a constelação familiar e atendeu a um “aviso” que constantemente aparecia em seu dia a dia. “Caminhava na minha rua e havia uma casa com uma placa onde se lia ‘Constelação familiar’. Passava e ficava na dúvida sobre o que era, pois imaginava que seria algo ligado a estrelas. O que isso tinha a ver com família? Sempre dizia que, ao chegar em casa, iria procurar saber o que é. Só que eu nunca fazia isso. Foi assim durante um ano, até que apareceu no Instagram, procurei saber e achei interessante”, conta Miriam que, após 27 anos como jornalista, andava em busca de algo que fizesse mais sentido para ela.

A partir da constelação familiar, ela descobriu que o medo de escuro tinha relação com os antepassados, em especial o avô paterno Abraham, além de ter encontrado a sua verdadeira vocação, tornando-se consteladora (@miriamgchalfin). “A constelação é uma nova forma de ver e viver a vida. É um trabalho de ajuda à vida. Depois que você começa a olhar a partir desse pensamento, que é o sistêmico e não mais o linear cartesiano, não se consegue pensar de outra forma. Ela é uma ferramenta que traz à luz algo que lhe atrapalha muito na vida, mas que você não consegue acessar, porque está no inconsciente”, assinala.

A história do avô Abraham é muito ilustrativa sobre o que estava por trás do medo do escuro. Ele migrou da Bessarábia, na Romênia, em meados dos anos de 1920, só que, no porto do país, acabou se perdendo dos demais familiares. Enquanto ele e o irmão pegaram o navio para o Brasil, os demais acabaram indo para Canadá e Argentina. Nunca mais se viram. “A família foi desmembrada. Todo mundo ficou no escuro e ninguém teve mais notícias do outro”, explica. Na constelação – termo que vem do alemão “Familienaufstellung”, que significa colocar a família em posição –, as tensões, dificuldades, vícios, doenças e desafios que acontecem hoje têm origem no passado. 

Heranças. Na constelação, o lado direito se refere ao ramo paterno e o esquerdo, da mãe. As sensações que Miriam sentia estavam exatamente no lado direito de seu corpo, como formigamento e dores. “Ela trabalha com as sensações corporais, com o sentir. Não é com a mente, com os sentimentos. Quando eu falei do meu avô, eu senti no corpo. Eu vi que tinha uma conexão. Após trazer à consciência, no mesmo dia eu consegui dormir no escuro. Fiquei muito surpresa. Foi o que me fez querer estudar”, frisa. A consteladora deixa claro que não há necessariamente uma “cura” nesse processo, mas apenas o entendimento de traumas que não foram integrados na família.

“A constelação não é terapia. É uma intervenção complementar, não substituindo a psicoterapia nem o tratamento médico”, pondera. Antes de mais nada, para que se possa fazer uma constelação, é preciso ter um tema. Ou seja, algo que está sendo difícil na vida de alguém. “Pode ser algo que a angustia ou que já tentou resolver de várias formas, sem conseguir. Às vezes, pode ser um sentimento que ele não sabe de onde vem. A constelação acredita que todos os nossos traumas têm origem na família. Nós herdamos muito mais que as características físicas. Nós herdamos ritos, medos, silêncios e segredos. Tudo que não foi finalizado na geração anterior, ele fica encapsulado no inconsciente familiar”.

A terapeuta espiritual Katherine Revert, que trabalha com o método há dez anos, diz que problemas de relacionamento, de trabalho, com dinheiro e traições estão relacionados a questões do passado. “Se, por exemplo, a mãe perdeu um bebê e guardou segredo disso, inconscientemente a segunda filha passa por perturbações porque a primeira quer o seu lugar dela na família”, registra. Ela cita também problemas gerados pela pílula do dia seguinte. “Muitas vezes, as mulheres tomam achando que não estavam grávidas, mas estavam, e acabam matando um filho, o que, inconscientemente, irá gerar problemas emocionais para ela, como depressão e obesidade”.

Questão judicial. A constelação passou a ser adotada na Justiça brasileira desde 2012, especialmente em casos de divórcio, guarda de filhos e violência doméstica. Hoje ela é aplicada em mais da metade dos Estados do país, incluindo Minas Gerais, após uma resolução do Conselho Nacional de Justiça permitir a sua utilização em torno de conflitos de interesses, com o objetivo de acelerar o andamento dos processos. Em certa medida, não deixa de ter razão quando se diz que a constelação familiar defende um tipo de família tradicional. A questão do respeito aos pais é base do método.

“É importante honrar o pai e a mãe porque são pessoas comuns e temos que vê-los desta forma. Crescemos achando que eles tinham que ser super-heróis, mas eles têm seus sonhos e vontades. Se eles engravidarem da criança é porque quiseram dar sim para ela. Fizeram um ato de amor ao darem esse sim. Acontece muito de os filhos ficarem cobrando os pais a vida inteira e nunca crescem”, comenta Katherine, que se iniciou na constelação familiar ao perceber que a psicologia não dava respostas que as pessoas esperavam. “Na constelação, as coisas fluem, vão para frente, e há uma grande chance de cura” analisa. 

Memórias. Miriam explica que, na teoria desenvolvida por Bert Hellinger, as memórias já estão no corpo desde o primeiro momento de vida. “A gente nasce imerso numa sopa de memórias no nosso inconsciente familiar. Quando nascemos, já há um livro que está sendo escrito muito antes. A gente só é um capítulo de um livro que começou muito antes”, afirma Miriam. Inconscientemente, seguimos o script da família. É por isso que, durante a constelação, vemos bonequinhos que representam familiares. O constelando é o protagonista e passa por todos os papéis, como se estivesse atuando numa peça de teatro. “O sentir no corpo é que fará emergir na cena qual pessoa está conectada e tem relação com o tema”.

Normalmente pode-se chegar até a quarta geração, mas é possível ir ainda mais longe, de acordo com Miriam, mesmo desconhecendo a história da família. “Mas normalmente o grande problema está com os pais. Dependendo da postura, de como a pessoa passa a enxergar os seus pais e ancestrais, ele poderá ter uma vida mais leve e alegre, fazendo as pazes com a parte interna dele mesmo”, sublinha. Ela enfatiza que a constelação nos convida a fazer uma completa desconstrução. “É se reconhecer por dentro. Não é todo mundo que está disposto a isso. Nós somos continuidade de nossos ancestrais e a história deles impacta a nossa vida hoje”