Menos é mais

Minimalismo retorna como opção ao frenesi consumista

Adeptos do movimento que prega viver com o essencial se dizem mais felizes depois que reduziram a importância do ‘ter’

Por Da Redação
Publicado em 24 de setembro de 2017 | 03:00
 
 
O marido, Héberson, e os filhos – Isabela, 15, Eduardo, 14, e Mateus, 11 – da empresária Karin Acioli, 37, foram “fisgados" pelo minimalismo Foto: Douglas Magno

Boa parte da vida da empresária Karin Acioli foi resumida nas mudanças de cidade em cidade. A jornada começou em Curitiba, há nove anos, e terminou em Belo Horizonte, quando a família se estabeleceu. Mas a cada nova casa, Karin repensava a necessidade de levar consigo roupas, objetos e móveis. O resultado foi que, em cada parada, mais coisas ficavam para trás, e isso produzia nela um efeito de leveza e satisfação. “Eu estava cansada de abrir as caixas, ver tudo e não conseguir aproveitar. A cada cidade, saía um peso de mim quando eu percebia a quantidade de coisas que não tinha que levar”, relembra Karin, hoje uma adepta declarada do “novo” movimento minimalista.

Atualmente, a ideia de que “menos é mais” ganha força entre as pessoas cansadas do frenesi consumista da vida moderna. Mas a origem do minimalismo é mais antiga, nasceu de uma série de movimentos artísticos, culturais e científicos que percorreram diversos momentos do século XX, especialmente os anos 60, tendo como base o uso de poucos elementos como base de expressão.

Na prática, hoje, o minimalismo representa-se nas pessoas que decidiram viver apenas com o que consideram suficiente, deixando os excessos de lado. Essa forma de viver mudou a vida da família de Karin. Os filhos – Isabela, 15, Eduardo, 14, e Mateus, 11 – passaram a ser criados com princípios minimalistas. O marido, Héberson, 42, também entrou no ritmo.

“Começou com roupas e brinquedos: a cada novo que eles ganhavam, tinham que ir ao quarto e procurar um parecido para a doação”, lembra. “Tento fazer com que eles adotem esse hábito em todos os ambientes da vida. Seja com os móveis dentro de casa – temos uma vida confortável e de qualidade, sem excessos – até a necessidade de comprar determinada coisa”, explica Karen.

O curioso, no entanto, é que a empresária não conhecia o termo até poucos meses atrás. Foi quando fez o curso de personal organizer – profissional que ajuda a organizar todos os aspectos da vida de uma pessoa – que descobriu o conceito minimalista. “Eu me divirto quando lembro porque já era e não sabia como nomear”, garante.

Mas engana-se quem pensa que viver apenas com o suficiente é fazer voto de pobreza. Os adeptos afirmam que trata-se de dar menos importância para o material, abrindo espaço para o que realmente importa.

No caso da representante comercial Andressa Forzza, 42, foi a crise financeira que a fez viver com menos. Ela chegou a ter sete lojas de informática até a derrocada da economia nacional. “Era do interior, em Ubá, e estava acostumada a ter empregada e funcionários. As pessoas levavam roupas e joias à loja para que eu pudesse escolher”, diz.

A ruptura aconteceu quando Andressa se mudou para a capital mineira, em 2013. “Eu quase fali, e isso me deu um baque, me fez colocar o pé no chão. Abri mão de empregada, cartão de crédito, mordomia. Qualidade de vida faz parte do meu mundo, mas o luxo, não”, afirma.

A representante comercial conheceu o termo minimalismo por meio de uma amiga. “Foi como se meus olhos se abrissem. Passei a pesquisar sobre isso e me identifiquei com cada linha que eu lia. Me apaixonei pelo minimalismo a tal ponto que, sempre que posso, quero transmiti-lo às pessoas a minha volta”, diz.

Hoje ela cozinha, limpa a casa e cuida sozinha da beleza. “Faço escova, as unhas e me depilo em casa mesmo. A economia sem esses mimos chega a R$ 1.500 por mês”. Andressa expõe que a vida minimalista a fez trocar de apartamento e economizar R$ 600 mensalmente. “Eu, meu marido e meu filho vamos nos mudar para dois andares acima. Vamos usar o dinheiro na educação do filho”, diz.

Movimento não busca “converter” as pessoas

De acordo com o pesquisador em cultura e comunicação Marcelo Mocarzel, da Universidade Federal Fluminense (UFF), os minimalistas fazem parte de uma subcultura que não prega contra determinado movimento para ser considerada uma contracorrente, mas que consegue conviver harmonicamente sem imposição de seus hábitos. “Eles não estão preocupados em convencer o mundo, mas em manter e preservar aquilo que acreditam. Não querem uma revolução, uma vez que defendem que a própria experiência é o que vai contagiar as pessoas”, diz.

Mocarzel explica que os adeptos do minimalismo, no sentido existencial, são adultos entre os 30 e 40 anos. “São pessoas jovens, mas que já têm alguma experiência de vida, que já saíram da faculdade e se sustentam”, afirma. O pesquisador aponta que o advento das redes sociais foi o grande precursor dessa nova modalidade.

“Nos EUA e na Europa, esse movimento começou no início dos anos 2000. No Brasil, começamos a perceber uma movimentação a partir de 2012, 2013, quando o número de usuários de redes sociais passou a crescer. Dentro do mundo virtual, essas pessoas se encontram em grupos de troca de móveis, objetos, roupas e serviços de manutenção e conserto desses e aproveitam para compartilhar experiências e divulgar o minimalismo”, conta.

Mocarzel acredita que o movimento deve se tornar uma demanda social dentro de dez anos. “A velocidade da internet e da tecnologia vai facilitar muito esse processo”, afirma.