Inovação

Nas escolas, professor ganha status de mentor

Aluno ‘Alpha’ não gosta de trabalho em grupo e precisa de estímulos sempre, o que exige novo modelo

Dom, 28/05/17 - 03h00
O desenvolvedor de apps infantis Roberto Icizuca aposta nos estímulos | Foto: Arquivo Pessoal

Se a geração Y (pessoas com cerca de 30 anos) já foi capaz de mudar a forma de consumo, criando novas demandas de mercado personalizáveis, como aplicativos de transporte (Uber e afins), para pedir comida (iFood) e até cartão de crédito sem anuidade e que permite fazer tudo online (Nubank), da geração Alpha podemos esperar uma mudança ainda maior, tanto para o mercado consumidor, quanto para o sistema educacional cada vez mais conectado.

Para o coach e escritor Jaques Grinberg, o professor deixa de ser “engessado” e passa a ter o papel de mentor de seus alunos. “Esse é um perfil de criança que, ao mesmo tempo em que busca interação com os colegas, não gosta muito de trabalhos em grupo. Eles querem um professor que conte histórias e dê exemplos de sucesso, traga conteúdo por meio de vídeos e desafie os alunos com vivências e experiências”, afirma.

O desafio está posto: como educar uma geração que não se contenta apenas com os meios tradicionais de ensino e que exige um aprendizado mais dinâmico, acelerado e conectado às tendências tecnológicas?

Para a pedagoga Ofélia Galvão Ariz Grieco, que há mais de 25 anos trabalha com alfabetização infantil, o professor também tem que buscar sempre se atualizar. “Com mais acesso à internet e às tecnologias, as crianças de hoje são mais espertas, questionadoras, e têm mais abertura para falar, o que não acontecia há 20 anos, quando as escolas eram muito tradicionais e não davam a elas o direito de se expressarem”, diz.

Ofélia não acredita no completo abandono de formatos tradicionais de ensino, como a escrita da matéria no quadro. “É importante trabalhar primeiro a escrita para, depois, passar para a tecnologia”, afirma.

Na avaliação da mestre em psicologia de crianças e adolescentes Fernanda Furia, frente ao alto índice de evasão escolar no ensino médio nas escolas públicas brasileiras, as instituições estão tendo que se reestruturar e repensar todo o formato de ensino para engajar as novas gerações. “Uma das razões é a falta de conexão entre o mundo escolar e a vida real desses jovens”, avalia.

Segundo ela, as chamadas “competências socioemocionais” têm sido cada vez mais valorizadas pelos educadores e empregadores no mundo. “O foco excessivo em conteúdo para passar no vestibular não prepara os alunos para o mercado de trabalho, e muito menos para a vida. Mais do que nunca, precisamos ajudar as nossas crianças a desenvolver habilidades que servirão de alicerce para enfrentar os desafios do cotidiano”, acredita.

Acesso. Os aplicativos têm papel fundamental na interatividade entre as crianças. Segundo o diretor de operações da Zero Um, Roberto Icizuca – desenvolvedor de aplicativos de sucesso no público infantil, como Galinha Pintadinha, Patati Patatá e Palavra Cantada –, essas crianças querem ser estimuladas o tempo todo. “Os aplicativos são como aquele brinquedinho em cima do berço (móbile) multiplicado à décima potência”, compara. Ele aposta cada vez mais em uma geração de jovens empreendedores e youtubers.

No entanto, Furia alerta para a necessidade de usar essas ferramentas com responsabilidade para que os aplicativos não se tornem vilões. “Outro ponto fundamental é educar para uma cidadania digital. Isso significa ensinar as crianças a usar a internet e as novas tecnologias de forma responsável, ética e apropriada. Dessa forma, iremos prevenir muitos casos de bullying, de exposição excessiva, de pedofilia e de crimes cibernéticos”, afirma.

Nativos digitais

Origem. “Alpha” é um termo usado pelo australiano Mark McCrindle, especialista em demografia e estatística. A cada semana, 2,5 milhões de novos Alphas chegam ao mundo. Até 2025, quando esta geração dará lugar a uma nova, eles serão 2 bilhões.


Outras características da geração Alpha:

Crianças: São curiosas, espertas e ligadas em tudo a sua volta. Serão desde cedo criadores de conteúdo, de produtos e de serviços.

Educação: Elas provavelmente terão o maior nível educacional de todas as gerações. Começarão a estudar mais cedo. Serão as primeiras a experimentar um novo sistema escolar mais personalizado e híbrido (online/offline), com foco na autonomia do aluno e no aprendizado baseado em projetos para aprender por meio de situações do cotidiano.

Tecnologia. Possuirão o maior conhecimento tecnológico da história. Vão viver e respirar tecnologia. Viverão em um mundo ultrainterconectado.

Comportamento: Elas se relacionarão de forma mais horizontal e menos hierárquica. Produtos e serviços serão mais personalizados e sob medida


Excesso de eletrônicos pode gerar sérios problemas para os pequenos

Recentes diretrizes anunciadas pela Academia Americana de Pediatria orientam os pais sobre os riscos do excesso de conexão e eletrônicos para crianças. De acordo com a entidade, passar mais do que uma por dia ligado a esses dispositivos pode provocar problemas de atenção, dificuldades na escola, distúrbios de alimentação e do sono.

Outra recomendação é de que menores de dois anos fiquem bem longe dessas tecnologias. Acima dessa idade, é essencial o acompanhamento do conteúdo acessado, evitando sites de violência e sexo explícito.

A conectividade demasiada também afeta o corpo, provocando dificuldades motoras, como de amarrar o sapato, lesões musculares e obesidade. Em casos extremos, até problemas neurológicos como convulsões podem ser causados pelo excesso de estímulo visual. (Da redação)


Minientrevista

Fernanda Furia, mestre em psicologia de crianças e adolescentes

Quais são os desafios para os pais da geração Alpha?

Essa geração nasceu dentro de um contexto global muito peculiar. Existirão desafios que ainda nem podemos imaginar, decorrentes do rápido desenvolvimento tecnológico e das novas formas de ultraconectividade. Outro desafio é o conflito de gerações. Além disso, a comunicação de qualidade entre as pessoas está diminuindo, gerando mais desencontros. As crianças de hoje precisam de adultos com capacidade de se interessar por elas, de refletir, ensinar valores importantes e, acima de tudo, de amar e dar carinho em um mundo nunca antes tão complexo.

A relação com a tecnologia pode tornar-se um problema. Como equilibrar essa questão?

O excesso do uso e da dependência da tecnologia é uma realidade preocupante. Os índices de crianças que estão se tornando dependentes estão crescendo no mundo. E parece que muitos adultos não estão conseguindo reconhecer esse problema em casa. Essa combinação de jogos feitos para viciar com o cansaço dos adultos é perigosíssima. Precisamos de campanhas de conscientização sobre o risco real de dependência tecnológica das crianças. Isso ajudará os pais a estabelecer uma “dieta digital” com horários e critérios mais claros para o uso das diferentes tecnologias na família.

Como devem ficar as relações de hierarquia?

A relação hierárquica é necessária para o desenvolvimento saudável das crianças, mas temos que redefinir o que é hierarquia nesta era digital. Enquanto adultos, precisamos desenvolver a habilidade de interagir com as crianças de maneira mais autêntica, empática e, ao mesmo tempo, firme. É uma nova forma de exercer uma hierarquia, que ainda mantém o lugar dos pais como autoridade dentro do sistema familiar, mas que enxerga melhor as necessidades das crianças e adolescentes. (LM)

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