“Patinho feio”

Crocs: ame-o ou deixe-o

Um dos calçados mais polêmicos para o mundo fashion – os Crocs – comemora 15 anos de existência, ainda dividindo opiniões quanto a seu design pouco convencional

Dom, 13/08/17 - 03h00

“Experimentei vários e comprei um rosa. Minha silhueta achatou imediatamente. Minhas pernas ficaram curtas e, quando olhava para baixo, via uma mulher que não era eu. Sabe uma coisa amorfa, cansativa e preguiçosa? Essa era eu de Crocs”, relata a jornalista e escritora Nina Lemos, em um texto publicado em 2012, no site da revista “TPM”. Na época, Nina contou sua experiência após usar, durante um dia, um par dos famosos e polêmicos Crocs. Neste 2017, o calçado de resina sintética – reconhecido pelo design, digamos assim, “arrojado”, motivo que talvez justifique sua falta de simpatia pelo universo fashion – completa 15 anos.

Cinco anos após o relato, Nina diz que nunca mais usou seu par. “Tentei dar para alguém, mas ninguém quis (risos). Ainda não gosto de Crocs e, quando usei, vi que aquilo realmente me fez com que eu me sentisse ‘não eu’. Adoro moda, mas rir das tendências e levar isso de um jeito não sério é ótimo”, opina Nina.

A opinião quase unânime relacionada ao quesito beleza do icônico do calçado pode ter sido o motivo para que ele ganhasse o apelido de “patinho feio” dos sapatos. Em 2005, a própria empresa lançou a campanha “Ugly can be beautiful” (“O feio pode ser bonito”), tentando minimizar a rejeição com bom humor. E, em meio às críticas, o calçado marcava presença em pés de celebridades como Al Pacino, Ben Afleck, Drew Barrymore, Oprah Winfrey e Madonna.

“Contamos com uma base de fãs apaixonados, embora tenhamos a parcela dos que não gostam. Mas escolhemos nos concentrar no público que ama nossos produtos”, rebate Patrick Rich, diretor global de marketing da Crocs.

Conforto. Por outro lado, não dá para negar que o calçado é bastante prático – tanto que médicos, chefs de cozinha e outros profissionais cujos ofícios exigem que os pés estejam acomodados sobre um solado amortecedor estão entre os que mais consomem o produto, desenvolvido originalmente na Califórnia, com tecnologia canadense, para ser usado em situações que demandam um pisante impermeável e antiderrapante.

“Quando comecei a trabalhar em uma grande cozinha, há sete anos, me indicaram os Crocs, e ajudou muito com as minhas varizes, na época. Nunca mais deixei de usar, pois (o calçado) é muito confortável e não provoca dor nas pernas”, relata a chef Janaína Barrozo, do Cabernet Butiquim, que não tira o modelo preto dos pés para enfrentar os dias em que precisa ficar horas em pé na cozinha. “No dia em que me esqueço de calçá-los, não consigo trabalhar da mesma forma, os pés já doem”, afirma.

Fora do ambiente de trabalho, nem todos pensam no calçado para compor produções mais fashion. “Acho o modelo complicado e com muita personalidade. Entendo que tem um apelo de conforto, mas não imagino um look ‘usável’. O foco vai recair sempre nele, e, no meu gosto pessoal, é um foco que não funciona”, opina a consultora de estilo e professora de design de moda Carla Mendonça. A chef Janaína também brinca que, fora da cozinha, se sente como um “meme” usando Crocs. “Às vezes, percebo olhares estranhos, voltados aos Crocs”, conta ela, que optou por um mais discreto. 

Fashion, eu? Recentemente, os Crocs ganharam novo impulso graças ao britânico Christopher Kane, que desfilou modelos arrematados com pedras preciosas. À imprensa, ele confessou ser fã do calçado, mas a mídia não perdoou, e a empresa rebateu. “A parceria certamente elevou nossas credenciais de estilo e colocou a Crocs frente a editores de moda. Estamos sempre à procura de oportunidades para colaborar com designers e marcas, desde que faça sentido para os dois lados”, comenta Patrick Rich.

Carla Mendonça vê na parceria uma tentativa de imprimir ao calçado um viés mais fashion: “É uma forma de agregar valor à marca, mesmo que não atinja o público fashion de forma tão enfática”. E completa: “Ela conseguiu se manter no mercado focando em um público que não necessariamente vai adotar o calçado em produções estilosas”.

A consultora tem razão. Em 2015, quando George, filho de Kate Middleton e do príncipe William, foi fotografado usando um modelo, as vendas aumentaram 1.500%, segundo o site Amazon.co.uk. Vale lembrar que há relatos de acidentes com crianças envolvendo calçados similares, embora também seja válido pontuar que há, no mercado, imitações não confeccionadas com os mesmos padrões dos originais.

Seja como for, a jornalista Nina Lemos acredita que todo mundo está sujeito a rever suas opiniões. “Eu sou meio vítima da moda. E quem não é? (risos). Essa coisa entra no nosso inconsciente, vai que um dia eu ache bonito? Mas teria que ser preta! É muito confortável mesmo, então, quando eu ficar velha, vou ser uma velhinha de cabelo verde usando Crocs pretas”, brinca. 

Calçados em releituras fashionistas

Não é novidade que peças que já foram renegadas pelo público em algum momento da história se tornem aclamadas no capítulo seguinte. Foi assim, por exemplo, com a pochete, e, mais recentemente, com alguns calçados, como há até pouco tempo temida papete. Sucesso nos anos 90, o modelo foi relançado pela Rider com design inspirado na moda esportiva e, claro, no conforto. Os Crocs produzidos em parceria com o designer Christopher Kane também foram uma tentativa de emplacar o calçado no âmbito fashion.

“A moda tem que criar novas tendências para vender. E, quando não se tem o novo, se pega o ‘velho’”, acredita a jornalista ( focada em comportamento) Nina Lemos. “Outro dia, vi um homem no metrô, em Berlim (onde ela está radicada), de pijama de seda estampado, com Rider e meia. Ele usava aquilo de uma maneira tão incrível que, olha, ele estava lindo! Talvez isso tenha me inspirado a comprar um modelo também. A moda abduz a gente. Tô usando Rider o verão inteiro!”, entrega.

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