Homenagem na passarela

No SPFW, Ronaldo Fraga reconstrói a arte de Candido Portinari

Com desfile marcado para o próximo dia 26, durante a semana de moda paulistana, o estilista mineiro repete a homenagem feita em 2014 ao maior pintor modernista

Dom, 21/04/19 - 03h00

Pouco antes de encerrar a entrevista sobre a coleção que vai desfilar na próxima sexta-feira (26), durante o São Paulo Fashion Week (SPFW), o estilista mineiro Ronaldo Fraga se emociona: “A arte fortalece as pessoas, nos dá algo intangível, que muitos chamam de autoestima, mas que, antes de qualquer coisa, chama-se coragem. Coragem para mudar o rumo da história”, frisou. Após 45 edições de evento, ele sabe exatamente o lugar que a moda precisa ocupar – e isso vai bem além de uma tendência atrelada à estação.

“Eu levo muito a sério a história que é contada. E conto fazendo desfile de moda. Quando pesquiso alguém que foi biografado, preciso me envolver até o último fio de cabelo”, afirma ele, que vai homenagear o artista plástico brasileiro Candido Portinari (1903-1962) em sua coleção de verão.

Vale lembrar que, em 2014, Ronaldo Fraga já havia mergulhado nessa lavra para a coleção “O Jardim Secreto de Candido Portinari”, um retorno à memória e à infância do artista de Brodósqui (SP). Naquela época, Fraga estreitou laços com João Portinari, herdeiro do artista e grande responsável por catalogar a obra do pai, por meio de uma fundação. Foi João, aliás, quem deu o sinal verde para Fraga transformar tudo o que absorveu nas pesquisas em roupas. “João nem chama Portinari de ‘pai’, refere-se a ele pelo nome. Sabe a importância de levá-lo às novas gerações”, disse Fraga.

Desta vez, o ponto de partida foram os painéis “Guerra e Paz”, buscando trazer a essência da icônica obra aos dias atuais. Medindo 14 x 10 m cada um, os painéis foram pintados entre 1952 e 1956, a partir de encomenda feita pelo governo brasileiro, por meio do então presidente Juscelino Kubitschek, para presentear a Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. 

Ronaldo Fraga conta: “Ainda não havia focado o Portinari político. A ideia foi: nos dias atuais, o que o artista colocaria no painel guerra e o que colocaria como paz?”. E prossegue: “Minha tristeza foi entender que, para a guerra, a gente tem mais itens do que a paz”. O mineiro refere-se a questões como “as diferenças entre pobre e ricos, o feminicídio, o extermínio da população negra e LGBT...”. Sem esquecer, claro, a questão ambiental. “Tudo isso é uma guerra civil que vivemos de norte a sul”, frisa.

Na coleção de Fraga, a paz, por sua vez, será representada pelas flores, item que Portinari sempre incluiu, de alguma forma, em seu trabalho.
Os painéis foram a última obra concluída antes do falecimento de Portinari. Na verdade, no meio do processo, os médicos chegaram a aconselhar que ele interrompesse o trabalho, devido ao processo de envenenamento de seu organismo, provocado pelo chumbo contido nas tintas. Mas Portinari refutou o conselho. “Preferiu morrer a parar de pintar. Portinari era uma figura com ideias revolucionárias”, pontua.

Cumpre dizer que o flerte entre Fraga e os artistas e escritores brasileiros modernistas não é uma novidade. Ele já produziu criações inspiradas nos escritos de Carlos Drummond de Andrade e de Graciliano Ramos, além de nas pinturas de Athos Bulcão.

Na passarela. As referências da obra de Portinari parecem estar em cada detalhe, principalmente nas cores. Enquanto a “guerra” vem em um azul profundo, marinho e marrom, a “paz” é retratada em laranja, amarelo, marfim e turquesa. O jeans ressurge em lavagens diferenciadas, do mais clarinho ao mais escuro. Mas a maior novidade não diz respeito a tecidos, e, sim, à teia de artistas colaborativos que ele mesmo construiu em sua carreira. 

“Minha ideia é envolver mais e mais pessoas no meu trabalho. É isso que venho fazendo com o Grande Hotel”, diz ele, referindo-se ao casarão histórico, construído em 1920, no bairro Funcionários que, periodicamente, recebe e hospeda marcas que não tenham endereço fixo na cidade.

Enquanto os sapatos serão produzidos pela designer carioca Raissa Colela, algumas peças serão pintadas pela artista Mari Junqueira – o estilista lembra que o contato com ela foi via Instagram, quando ofereceu a ele um tênis. Fraga conheceu o trabalho e eles firmaram a parceria para o desfile. “Acendo vela todos dias para o ‘santo do acaso’. Peço a ele para colocar pessoas que façam diferença na minha vida – e que eu faça na vida delas”, finaliza.

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O time de mineiros nessa edição da SPFW está reforçado. Patrícia Bonaldi leva a sua PatBo. Desfilam também Fabiana Milazzo e Apartamento 03, além do estilista André Boffano e sua Modem, que sempre se inspira no universo das artes – o alvo, dessa vez, é o artista carioca Eli Subtrack, conhecido como AVAF.

A irreverente Ca.Ce.Te Company completa o line-up ao lado da LED, que desfila pela terceira vez no evento, seguindo o caminho político já trilhados nas outras coleções.

Veja o calendário

22 de abril, segunda-feira: 19h45, Reinaldo Lourenço.

23 de abril, terça-feira: 11h, Lenny Niemeyer; 16h, Patrícia Viera; 17h30, Fabiana Milazzo; 19h, Lilly Sarti; 20h30, Bobstore.

24 de abril, quarta-feira: 10h45, Gloria Coelho; 12h, PatBo; 15h30, Another Place; 16h30, Beira; 17h30, João Pimenta; 18h30, Amir Slama; 20h, Modem; 21h, Lino Villaventura.

25 de abril, quinta-feira: 15h, Projeto Estufa - Aluf; 15h15, Projeto Estufa - Victor Hugo Mattos; 16h30, Ca.Ce.Te Company; 17h30, TOP5 | Borana; 18h, Neriage; 19h, Handred; 20h, Triya.
26 de abril, sexta-feira: 15h, Projeto Estufa | ÃO; 15h15, Projeto Estufa | MiPinta; 16h, Cotton Project; 17h30, Apartamento 03; 18h30, Ratier; 19h30, Haight; 20h30, Ronaldo Fraga.

27 de abril, sábado: 15h, Projeto Estufa - Lucas Leão; 15h15, Projeto Estufa - Korshi; 15h30, Projeto Estufa - LED; 16h30, Ocksa; 17h30, Flávia Aranha; 18h30, PIET; 19h30, Ponto Firme; 20h30, Cavalera.

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