Época

Sem estação para o fashion

Marcas escolhem inverno ou verão para apresentar suas tendências durante a São Paulo Fashion Week

Dom, 29/04/18 - 03h00

Desde 2016, a São Paulo Fashion Week (SPFW), maior semana de moda da América Latina, aderiu ao “see now, buy now” (“veja agora, compre agora”. Nesse sistema, você se lembra, as peças da passarela desembarcam quase imediatamente nas lojas. Nesta edição, a 45ª, entretanto, os estilistas puderam optar por qual caminho seguir – e se reorganizaram dentro do calendário fashion. 

De um lado, marcas como Osklen, Fabiana Milazzo e Apartamento 03 desfilaram o inverno alinhadas ao varejo. Já outras, como Reinaldo Lourenço, Modem e Ronaldo Fraga, fizeram o preview de verão 2019, que deve ser colocado à venda no segundo semestre.

Entre tendências de frio e calor, o line-up teve boas estreias – caso da Beira, da carioca Lívia Cunha Campos, e da Handred, de André Namitala; ou da mineira Modem, comandada por André Boffano e Sam Santos, que, no entanto, optaram por consolidar a marca em São Paulo. Com três anos de mercado, a Modem estreou na passarela em outubro de 2016, no Minas Trend. Agora mais consolidada, apresentou uma coleção pensada na mulher real – porém, muito chique – que gosta de uma alfaiataria limpa, mas colorida, para o verão. 

O time mineiro teve outros bons representantes, dos quais alguns apostaram as fichas no resgate de técnicas manuais. Se, por um lado, André Boffano virou a noite na véspera do desfile para prender cerca de 6.000 argolas de metal em algumas peças, Luiz Claudio, da Apartamento 03, deixou propositalmente fios soltos em itens como um terno de seda, lembrando os espalhados pelo ateliê de costura de sua mãe. O bamba Ronaldo Fraga trabalhou o bordado de forma especial – no caso, em parceria com o coletivo de artesãs de Barra Longa (MG), que tenta, assim, resistir aos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central do Estado, em 2015.

Fabiana Milazzo teve a feliz ideia de usar retalhos guardados ao longo do tempo para criar uma coleção inspirada no Peru. Algumas peças, como as camisetas bordadas à mão, integram o projeto Mulheres de Renda, ONG fundada por ela para divulgar a arte do bordado de mulheres da região de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Da mesma cidade vem o bordado festivo e brilhante de Patrícia Bonaldi (PatBo). 

Já o moderno Célio Dias e a sua LED – uma das marcas participantes do projeto TOP 5, do Sebrae –, combinou materiais sintéticos com crochê manual. “É um trabalho artesanal muito delicado, algo que, de certa forma, é raro na indústria da moda, onde que cada vez mais se busca algo de fácil reprodução”, analisou. 

No geral, o line-up comprovou que as franjas estão mais uma vez em alta, assim como os tons terrosos e a alfaiataria. Confira, a seguir, algumas apostas apresentadas entre os dias 21 e 26 deste mês. 

A força que se ergue da tragédia

Ronaldo Fraga sabe muito bem contar uma história na passarela – e isso vai muito além do que uma tendência passageira correspondente a alguma estação. Nesta edição do São Paulo Fashion Week (SPFW) não foi diferente. O desfile, na última quinta-feira, teve como ponto de partida uma tragédia: o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. No caso, o criador usou o desastre para falar de memória e reconstrução. Batizada de “As Mudas”, a coleção foi desenvolvida em parceria com bordadeiras e artesãs de Barra Longa, um dos municípios atingidos pela lama em Minas. Mas, mais do que abordar a tristeza, o estilista quis falar da esperança e do que pode renascer de tudo isso. 

“Fiquei dois meses ao lado delas e as convidei para bordar os jardins que lá existiam, mas que a lama encobriu. Com o desastre ambiental, muitas pessoas resolveram fugir para outros lugares, o que provoca o risco de um desastre cultural. E o bordado conta muito sobre a história de lá”, contou. 

Na passarela, plantas como a espada de são jorge e a comigo-ninguém-pode foram delicadamente bordadas pelo coletivo, formado em 2017 e que tem cerca de 30 artesãs, com idades entre 17 e 80 anos. 

A iniciativa do coletivo veio da Associação de Cultura Gerais (ACG), em parceria com a Fundação Renova. As integrantes desenvolvem técnicas como o richelieu, assim como livres, e encontraram, na semana de moda, a chance de reverberar a tradição e a vivência para o mercado nacional. 

“A gente quer continuar com essa produção para deixar a herança a outros jovens. Aqui sempre foi um local conhecido pela tradição das bordadeiras”, explica Magali Lana. Aos 60 anos, ela conta que começou a bordar aos 5. “Mas fiquei quase dois anos sem bordar. E a oportunidade de voltar surgiu praticamente da lama”, finaliza. 

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