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Artigos de gosto duvidoso à venda por preços estratosféricos propõem uma reflexão sobre o ditado “quem ama o feio, bonito lhe parece”

Dom, 23/07/17 - 03h00

Mais de um século atrás, o poeta e filósofo espanhol Ramón de Campoamor (1817-1901) já apontava: a beleza está nos olhos de quem a vê. Mas longe dessa premissa – que ressalva o aspecto subjetivo do belo –, a moda tem, cada vez mais, flertado com outro sentido: o que coloca o bizarro, o inusitado, o de gosto “duvidoso” ou mesmo o dito “feio” como objeto de desejo – e, em consequência, com preços muitas vezes bem altos.

Antigos padrões vêm cada vez mais caindo por terra graças ao impulso de grandes marcas internacionais que, na passarela, propõem uma estética antimoda que, muitas vezes, pode ser incompreendida, por conta do excesso e do exagero à primeira vista.

A grife italiana Gucci, por exemplo, propõe sobreposições e brilhos extravagantes e explora, até a última costura, cores diferenciadas e vibrantes. Já a Balenciaga é expert em colecionar polêmicas com suas bolsas-sacola de papelão ou ecobags, retrabalhadas para se tornarem itens de luxo a valores exorbitantes.

A Moschino, repaginada pelas mãos do estilista Jeremy Scott, sempre se inspira em figuras do universo pop – da boneca Barbie até Bob Esponja – e não abre mão de pesar na hora de misturar estampas. Outra entusiasta desse movimento é a Vetements, apontada como a marca mais cool da atualidade, e que atrai uma legião de fãs jovens, que curtem visuais impactantes – ou, digamos, “estranhos”.

Para Tarcisio D’Almeida, crítico e professor do curso de design de moda da UFMG, essas marcas – bem como criadores como o saudoso Alexander McQueen e Vivienne Westwood – ganharam fama ao transitar pelo espírito transgressor e questionador do que é “belo” ou “feio”.

A própria Miuccia Prada já declarou diversas vezes achar o feio mais interessante que o bonito. “O filósofo italiano Umberto Eco nos explica que ‘dizer que belo e feio são relativos aos tempos e às culturas (ou até mesmo aos planetas) não significa, porém, que não se tentou, desde sempre, vê-los como padrões definidos em relação a um modelo estável’”, cita D’Almeida. Além disso, ele explica que é comum que grifes tentem resgatar elementos – inclusive, os que já foram rejeitados – para repaginá-los e, com isso, fazer com que retornem ao patamar de tendência. “Por isso, por exemplo, as pessoas, hoje, acham ridículo tendências do passado próximo, como, por exemplo, as ombreiras dos anos 1980”, sugere.

Aval. Vale lembrar que muitas celebridades, ao endossar peças e tendências que se alinham ao inusitado, acabam dando o aval para que a peça seja incorporada pelos “mortais”. Um exemplo é a atriz Bruna Marquezine, que usou uma camiseta da Givenchy toda furada, avaliada em quase R$ 2.000.

Já a cantora Anitta usou uma bota que acabou virando alvo de piadas na web. Detalhe: a peça é avaliada em R$ 14 mil. Para o coach e mestre em psicologia e gestão de pessoas Otávio Grossi, uma vez que a roupa traduz quem somos e como queremos ser vistos, usar esse tipo de peça vale muito mais por causa da marca que a assina e pelo status de quem a representa – resumindo, usar peças aclamadas por celebridades nos coloca no mesmo patamar de bom gosto. Será?

“As pessoas são muito mais do que o que elas vestem. Há uma inversão de valores em que o ter tomou o lugar no ser. Sendo assim, as roupas extrapolaram sua funcionalidade e entram no conceito de valor agregado, independentemente do conceito de belo e daquilo que não é agradável aos olhos. O sujeito que usa é quem agrega valor e consegue conquistar multidões. Eles têm a chancela de tantas outras pessoas e se tornam um modelo de identificação social”, analisa o psicólogo.

Outro fator que impulsiona o apreço a essas peças está ligado à busca pela individualidade e à influência “sem freio” da internet. “É nesse cenário que as viralizações se desenvolvem. O culto a celebridades – também reforçado pelo mundo virtual – endossa essa questão. A identidade estética das pessoas no mundo contemporâneo está sendo construída não a partir do desenvolvimento estético em cada um, e sim a partir do que os outros dizem nas redes sociais”, reflete Tarcisio D’Almeida.

Vai pagar quanto?

Bolsa que imita sacola de feira, camiseta quase toda rasgada, bota dobrável e outras peças “diferenciadas” ganham ainda mais holofotes quando as próprias marcas convidam celebridades a fim de conquistar clientes e provocar desejo imediato.

Entre os últimos lançamentos, pincelamos os que mais provocaram frisson, principalmente pelo preço exorbitante na contramão da imagem do produto. Você toparia pagar?

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