A música alta e vibrante prenuncia momentos de curiosidade e emoção. A oração precede um leve tremor corporal que anuncia o transe. Os olhos permanecem cerrados durante os 90 minutos em que telas imaculadas recebem a tinta a óleo espalhada rapidamente com os dedos e, em alguns momentos, cuidadosamente, por pincéis.

Em poucos minutos surgem diante da plateia verdadeiras obras de arte pintadas pelos impressionistas franceses Pierre-Auguste Renoir e Jacob Abraham Camille Pissarro, pelo pós-impressionista francês Toulouse-Lautrec, pelo pós-impressionista holandês Vincent Willem van Gogh, pelo espanhol Pablo Ruiz Picasso, pela norte-americana Mary Stevenson Cassatt e pelos brasileiros Tarsila do Amaral e Candido Torquato Portinari. A tela mais demorada foi a de Mary Cassatt, que levou 17 minutos, e a mais rápida foi a de Picasso, com sete minutos.

O baiano Florencio Anton, 45, dedica-se há 28 anos à pintura mediúnica e já conta com 37 mil telas catalogadas e pintadas por um grupo de 105 artistas desencarnados. Pintores famosos que viveram desde o século XIII até meados do século XX, e alguns desconhecidos pelo grande público, mas famosos localmente.

O médium-pintor impressionou a todos com sua simpatia, espontaneidade, simplicidade e dedicação à doutrina espírita e aos movimentos fraternos. As oito telas pintadas foram leiloadas, e o dinheiro, doado à Fraternidade sem Fronteiras, organização humanitária que atua em alguns dos lugares mais pobres do planeta. O quadro mais disputado foi o de são Francisco de Assis, pintado por Candido Portinari e arrematado por R$ 3.500.

Criado em um lar católico, Anton, desde criança, lidava com as manifestações mediúnicas sem ter noção de que elas não faziam parte do lugar-comum. “Eu achava que todo mundo podia ver e sentir aquilo. Aos 8 anos, os primeiros fenômenos a se manifestarem foram os de efeito físico: movimentação de objetos, luzes que se acendiam e se apagavam, lençóis que saíam da cama. Eu e minha irmã achávamos tudo aquilo muito engraçado”, relembra o médium.

Desenvolvimento

Aos 12 anos, foi buscar explicação para o que acontecia com ele e começou a participar de grupos de estudos e desenvolvimento da mediunidade em um centro kardecista em Tobias Barreto, em Sergipe. “Felizmente o socorro espírita veio, e essas ideias foram sendo ressignificadas. Fui percebendo que a faculdade mediúnica era normal, inerente à criatura humana e fruto de seu processo de evolução biológica, sociológica, antropológica e também espiritual”, comenta Anton.

Cinco anos mais tarde, já em Salvador, estava integrado ao grupo da Fraternidade Leopoldo Machado, em franco processo de educação das faculdades de psicofonia e psicografia, quando, em 21 de dezembro de 1990, o médium se deparou com alguns espíritos com vestimentas dos séculos XVIII e XIX. “Achei aquilo tudo muito estranho. Eles disseram que queriam fazer um teste comigo e que no fundo do salão tinha um armário com um pacote de giz de cera e dez cartazes. Conversei com o coordenador daquela reunião, Manuel Messias Canuto Oliveira, e, quando eles abriram o armário, encontraram lá o material”, conta Anton.

O episódio gerou expectativa no jovem, que nada conhecia de desenho. “Eu era um completo ignorante em artes plásticas, desenho e história da arte e não tinha adestramento motor que me permitisse realizar trabalhos artísticos”, relata o médium.

Foi quando ele perguntou para os espíritos: “Vocês vão desenhar por meu intermédio?” Eles responderam: “Vamos tentar”. Eu disse: “Não sei desenhar”. Eles disseram: “Essa não é sua função. Sua função é fechar os olhos e orar”. “Eu fiz isso”.

As primeiras assinaturas chegaram sete meses após o início desse trabalho, quando Anton pintou cinco quadros. “Quando as luzes se acenderam, eu vi quadros com qualidade surpreendente para um jovem que não sabia pintar e assinados por artistas renomados ”, relembra Anton, que pinta em estado hipnogógico, entre a vigília e o sono profundo.

 

Faculdade mediúnica estaria presente em todas as pessoas

O médium Florencio Anton considera a pintura mediúnica um fenômeno acessório. “Na verdade, a proposta maior desse trabalho é oferecer a oportunidade de reflexão sobre a imortalidade da alma. Temos vivido um paradigma materialista, que não tem respondido mais às nossas questões. A criatura humana precisa retornar às origens, por meio de evidências que possibilitem a retomada de um caminho que foi perdido. Penso que a mediunidade, aliada à aproximação das ciências com a dimensão espiritual humana, vai nos oportunizar momentos de reflexão para que possamos sair de um paradigma reducionista e fragmentador da criatura humana e retomar quem somos de fato”, diz.

Com licenciatura em pedagogia, sendo psicanalista e tendo abandonado no meio o curso de psicologia, Anton enveredou pela enfermagem, estudou tanatologia, cuidados paliativos em oncologia e, atualmente, faz mestrado em educação com foco na espiritualidade. Fundou, em 1999, em Salvador, o Grupo Espírita Sheila.

“Não me percebo um indivíduo escolhido porque entendo que, sob a perspectiva espírita, Deus é a representação soberana da amorosidade e da justiça, de modo que, se eu fosse escolhido, Ele estaria preferindo a mim e preterindo alguém. A faculdade mediúnica não é dom e está presente em toda criatura humana. No entanto, por necessidades históricas, psicológicas, reposicionamento e requalificação existencial, uns apresentam essa faculdade de forma ostensiva, como foi o meu caso”, analisa o médium.

 

Atividade cerebral é estudada por faculdade de Coimbra

Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Coimbra queriam entender em que nível de consciência Florencio Anton fica durante o transe mediúnico.

“Eles monitoraram o índice biespectral do meu cérebro e disseram que ele é anormal. Durante o transe, os espíritos me levam a uma queda do nível de consciência que chegou quase à ausência de atividade elétrica cerebral, no entanto eu continuava pintando dois quadros ao mesmo tempo e falando em francês”, conta o médium.

O gráfico fornecido pela faculdade comprova que seu cérebro funciona como se estivesse dormindo. “Por outro lado, ocorre o rebaixamento da atividade cortical, e isso prova que o transe se estabeleceu”, diz Anton.

 

Crença

“Não me vejo como missionário. Busco viver minha espiritualidade com o máximo de ética e responsabilidade possíveis e caminhando com aquilo que Deus deseja para minha vida.”