O prazer que uma pessoa sente ao comer, fazer sexo ou usar alguma droga é integrado a uma região cerebral conhecida como “sistema de recompensa”, que fica encarregada de receber estímulos de prazer e transmitir essa sensação para o corpo todo. É exatamente essa integração que, segundo a presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), Ana Cecília Marques, torna difícil acreditar que o programa de consumo moderado dê certo.
“Particularmente não acredito que isso possa funcionar. Pelo que conheço da doença da dependência, uma vez que volta a acionar a mesma área cerebral com a droga que já havia mostrado um padrão de controle que não tinha antes, o padrão anterior mais grave se instala de novo, é só questão de tempo. Não acredito que o paciente que perde o controle consiga adquiri-lo novamente bebendo menos”, critica a psiquiatra.
Para Ana Cecília, grupos como o Alcoólicos Anônimos não podem ser encarados como tratamento, mas ela reconhece que esses programas podem melhorar a eficácia da terapia multidisciplinar, quando associados. “O AA é coadjuvante e ajuda muito quando o paciente resolve se tratar, mas serve também para sensibilizar aqueles relativamente resistentes e que não enxergaram o problema”, afirma.
O aposentado Paulo Roberto, 62, lembra que deu o primeiro gole ainda na adolescência. Por ser muito tímido e ver as pessoas se divertindo, ele desejava se sentir mais alegre. Por 30 anos o álcool roubou não só a sua dignidade, como levou também as relações e a sua identidade, mas há 16 anos ele se orgulha de dizer que conseguiu se livrar do vício com o auxílio do AA.
“Bebi durante 30 anos e não vou dizer que é ruim, mas ficar sem beber é muito melhor. Para nós, não existe a perspectiva de beber socialmente. Depois de um período de sobriedade, ao voltarmos a beber, logo estaremos tão mal quanto antes. Eu não corro esse risco”, admite.
Mudanças. Segundo a presidente da Abead, o tratamento ideal inclui fases de desintoxicação, abstinência, diagnóstico das comorbidades, prevenção de recaídas e manutenção, sendo possível alcançar taxas de sucesso em 50% dos casos, semelhantemente a qualquer doença crônica (diabetes e hipertensão, por exemplo), mas é ainda pouco disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“Não adianta olhar só para o tratamento. O fenômeno do uso de drogas na humanidade é muito antigo e só vai ficar estável quando evitar que as pessoas desenvolvam a doença e quando houver políticas, que protejam a sociedade, de prevenção e controle das drogas, mesmo aquelas lícitas. Tem que ter controle, regras, fiscalização e leis que protejam”, comenta.
Abuso no país
OMS. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil está acima da média mundial em consumo per capita de álcool. Entre 2008 e 2010, foram consumidos, 8,7 litros por ano. A média mundial é de 6,2 litros.
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