Quando a guarda baixa, a ‘presa’ cai a seus pés

Relacionamento tóxico tem, segundo a psicologia, três fases; no início, a pessoa é colocada num pedestal; depois, começa o sofrimento

Dom, 26/11/17 - 02h00
Superação. A jornalista Isabele Leone, 29, viveu abusos psicológicos e emocionais por dois anos. Hoje, afirma ter se recuperado | Foto: Arquivo pessoal

Idealização, desvalorização e descarte: essas são as três fases envolvidas no ciclo de uma relação doentia. A psicóloga Lucimara Rocha chama a idealização de “fase do pedestal”. “É quando a pessoa é colocada em uma posição acima. O abusador parece demonstrar sinceridade e faz com que a outra parte se sinta tão bem e produza tantas daquelas endorfinas da paixão, que logo se torna uma dependente. Uma vez que a guarda baixa, começa a trazer sua “presa” para suas mãos. É quando começa o verdadeiro pesadelo’, alerta a especialista

Lucimara explica que a fase seguinte é conhecida como “desvalorização”. “Há dois métodos para colocar o outro para baixo: o abusador pode destruir de forma rápida e brusca o pedestal sob os pés do outro, desaparecendo no nada, como se ele nunca tivesse existido, ou fazer isso de forma lenta, insidiosa e cruel. Na segunda técnica de desvalorização, ele mina a autoestima, corrói a identidade, desdenha os sonhos e conquistas, aponta de forma cruel os defeitos da pessoa, isolando do mundo e colocando todos contra ela”, diz.

A psicóloga afirma que o abusador, aos poucos, separa-se emocionalmente da parceira ou parceiro. Isso faz com a vítima se questione sobre o que supostamente fez de errado e inicie uma maratona para “compensá-lo”, trazendo a relação para a primeira fase.

Por último, vem a terceira fase, nomeada de “descarte”. “Nela, o abusador pode ser visto completamente sem máscara, numa versão diferente da que sempre apresentou. Assim que ele tiver sugado por completo energia vital, autoestima, amor-próprio, autorrespeito e dignidade, então ele estará pronto para descartar”, ensina Lucimara.

Entretanto, ela garante que o pesadelo não acaba logo. “Ele costuma voltar essencialmente para ter certeza de que ainda tem controle sobre suas vítimas. Vai prometer amor eterno, dizendo tudo aquilo que sabe que a vítima deseja ouvir. E, assim, o ciclo infernal retoma o seu lugar”, informa.

Para a especialista, a única saída possível diante desse cenário cabe à própria vítima. “Isso só não acontecerá se a parceira ou parceiro conseguir colocar um ponto final”, alerta.

 

Novela exibe relação violenta

No ar, a novela das nove da Globo “O Outro Lado do Paraíso”, chocou os telespectadores já no primeiro capítulo, quando mostrou a cena de um estupro praticado pelo protagonista Gael, interpretado pelo ator Sérgio Guizé. E a violência continuou acontecendo. Na trama, a personagem Clara, vivida pela atriz Bianca Bin, é esposa de Gael e subjugada pelo comportamento do marido. Mesmo sofrendo, a jovem é influenciada pela sogra, Sophia – interpretada por Marieta Severo –, a sempre perdoá-lo e a ser compreensiva. A psicóloga da Fiocruz Raquel Barretto, mestre na área de violência e saúde pela mesma instituição, explica que há uma cultura machista por trás disso. “Vemos o machismo nas ideias propagadas: mulher deve ser submissa; o homem é quem manda na relação”, expõe.

E prossegue. “Na televisão ou na vida real, a gente mantém uma naturalização de questões que envolvem a violência contra a outra parte. Infelizmente, essa é uma realidade que envolve todos os gêneros”, finaliza.

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