Ansiedade

Quatro em dez brasileiros afirmam estar comendo em excesso durante isolamento

Entrevistados também relatam experimentar sintomas de ansiedade e fazer menos atividade física; médicos dão dicas para melhorar alimentação para quem se sente ansioso

Por Da Redação
Publicado em 03 de junho de 2020 | 17:16
 
 
A vendedora Jéssica Pereira tem exibido suas receitas no Instagram, mas se sente culpada por acreditar estar comendo em excesso Foto: Jéssica Pereira / Arquivo pessoal

“Em vez de se exercitar, a gente come; em vez de dançar, come; em vez de trabalhar, come”, assim Heloiza Cristina, 24, define sua rotina durante o isolamento social. Desde dezembro do último ano, ela vinha se exercitando diariamente e estava se esforçando para tornar a alimentação mais saudável. Com a chegada da pandemia de coronavírus, foi demitida do emprego de recepcionista em uma clínica veterinária e, agora, sente-se mais ansiosa e admite estar comendo em excesso neste período de isolamento social. Nos dias em que não pede comida por aplicativo, Heloiza não deixa de comprar guloseimas no supermercado. “Não compro uma barra de chocolate, mas cinco”, conta. 

Não é só para ela que a pandemia trouxe mudanças na alimentação e no nível de estresse. Um levantamento do Instituto Ipsos, empresa de pesquisa de mercado, mostra que cerca de quatro em dez brasileiros estão comendo excessivamente. Em uma lista de 16 países — incluindo Estado Unidos, Itália e México —, o Brasil lidera nesse comportamento. Os brasileiros também são quem mais dizem estar sentindo ansiedade: pouco mais de quatro em dez relatam estar ansiosos.

As mulheres são especialmente afetadas pelo fenômeno: 42% das brasileiras declaram estar comendo mais, contra 36% dos homens. A ansiedade é mais um fator que prevalece entre elas: 49% das mulheres se sentem ansiosas durante a pandemia, enquanto 33% dos homens dizem o mesmo. Homens e mulheres têm se exercitado menos: 35% dizem estar fazendo menos exercício do que o necessário. 

Ansiedade e comer mais que o necessário são fatores que se encontram na rotina de Jéssica Pereira, 29. Vendedora em uma loja de shopping, ela teve o contrato de trabalho suspenso devido à pandemia e ocupa o tempo cozinhando em casa pratos que nunca havia tentado, como hambúrguer artesanal e feijoada. “Me sinto orgulhosa por conseguir fazer, mas culpada também, porque se estivesse trabalhando não teria tanto tempo para fazer essas coisas”, diz. 

Em pouco mais de dois meses de isolamento, ela ganhou 11 kg. “Comer resolve a ansiedade na hora. Eu fico nervosa e como. Não é nada programado, mas desconto na comida sem perceber”, destaca. 

Na casa que o arquiteto João Pedro Otoni, 27, divide com dois amigos, o exagero na comida também tem sido diário. “Estou em uma posição de privilégio poder ‘descontar’ a ansiedade na comida. No começo, parecia um grande prazer cozinhar e parar para comer, mas agora tem sido um escape. Quando acabamos de comer, já nos sentimos pesados, pensando que não deveríamos ter comido tanto”, relata.  

A servidora pública Susan Prado, 47, diz ter consciência de que está comendo para tentar reduzir a ansiedade, mesmo sem sucesso. Mas questiona: “Já estamos passando por uma situação difícil e ainda vou controlar minha comida? Deixa que depois da pandemia eu volto às atividades físicas, à terapia, a tudo o que for preciso”, conta. Seu marido e sua filha, pré-adolescente, têm repetido os mesmos hábitos, e Susan já repara que as roupas estão ficando mais justas na cintura.

Comer em excesso pode prejudicar sistema imunológico, explicam médicos 

Comer em excesso significa ingerir uma quantidade maior de comida do que a energia que será gasta, explica o endocrinologista Adauto Versiani, presidente da regional mineira da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM-MG). “Quando a energia não é dispensada, o corpo a guarda para situações de adversidade, e o excesso é armazenado na forma de gordura ou de massa magra. Como estamos em confinamento e é difícil fazer atividade física, o excesso de alimento se transforma em gordura”, detalha.

Na falta de uma contagem precisa de calorias, o nutrólogo Guilherme Mattos resume como alguém pode entender se está comendo mais do que precisa no dia a dia: “Se você come e sente desconforto abdominal ou muita sonolência depois da refeição, além de perceber aquela gordurinha sobrando, tem que prestar atenção”. 

O problema, de acordo com o endocrinologista Adauto Versiani, é que o excesso de gordura pode interferir no sistema imunológico, essencial para o corpo combater uma possível contaminação pelo coronavírus. “O tecido adiposo (que inclui a gordura), secreta uma série de citocinas inflamatórias que causam alterações nas nossas células de defesa. A segunda fase da Covid-19 causa uma tempestade inflamatória no corpo, e os efeitos dela são potencializados se o ambiente já está inflamado”, diz. Essa é uma das razões por que a obesidade é considerada um fator de risco para pacientes com Covid-19, lembra ele. 

A ansiedade também pode abalar a imunidade, além de estar relacionada à redução da serotonina (“hormônio do prazer”) e, assim, estimular a busca por alimentos mais ricos em açúcar, que aumentam a produção do hormônio. “A ansiedade aumenta a produção de cortisol, que combate o estresse. Em excesso, esse hormônio prejudica ou diminui a eficácia do nosso sistema imunológico e também contribui para o aumento do apetite”, pontua Versiani. 

Ele destaca que as mulheres costumam ter queda mais acentuada da serotonina quando estão ansiosas, uma hipótese que ajuda a explicar por que elas têm apontado estar comendo mais que os homens neste período. 

Médicos dão dicas para controlar a alimentação em períodos de ansiedade

Planejar as compras de supermercado e o cardápio da semana são ações importantes contra a comida em excesso, indica o nutrólogo Guilherme Mattos. “Não estoque alimentos. A partir do momento em que tiver essa comida em casa, vai acabar comendo, seja em um dia ou em uma semana. O ideal é fazer uma organização semanal e comprar o que for consumir na semana, até porque os melhores alimentos são os naturais e eles têm prazo de validade mais curto”, diz. 

Ele recomenda insistir nas atividades físicas, mesmo em casa, em vez de recorrer à comida para diminuir a ansiedade. “A comida não pode se tornar uma fuga ou um prêmio. A partir do momento em que você se premia com comida, ela está sendo prejudicial”, alerta. Para quem não consegue resistir, ele aponta que o chocolate com 70% de cacau é uma opção mais saudável. 

O ideal, diz, é concentrar a alimentação nas refeições principais, sem lanches pontuais ao longo do dia. E a dica habitual dos profissionais de saúde continua válida: quanto mais colorido e com ingredientes naturais estiver o prato, mais saudável é provável que ele seja. 

“Priorize grãos integrais e bastante salada, porque para isso chegar ao excesso vai ter que ser muita coisa. E a carne de frango está em um valor melhor que a de boi, então é possível priorizar as carnes magras”, finaliza.