Comportamento

Ressignificar uma traição pode tornar o processo menos doloroso

Fazer piada com a infidelidade é um caminho possível para aceitar melhor a “cornice, mas é preciso saber respeitar os próprios limites

Por Laura Maria
Publicado em 26 de março de 2024 | 03:00
 
 
Levar um chifre pode ser encarado com mais leveza Foto: LightFieldStudios/iStockphoto

Levar um chifre, tomar uma gaia, ser corno… Todos esses termos levam para um mesmo significado: ser traído por uma parceria. Não são raras as vezes em que essas expressões são utilizadas de maneira pejorativa para caçoar os alvos de uma infidelidade. “Fulano tomou uma gaia que mal passa por essa porta” ou “beltrano é mesmo um corno manso” são alguns exemplos de frases ouvidas por aí em mesa de bar ou da boca daquela vizinha fofoqueira.

A priori, ninguém gosta de ser protagonista de nenhuma dessas afirmações, uma vez que uma traição pode envolver um processo de muita mágoa e tristeza. Ao mesmo tempo, encará-las de forma bem-humorada pode ajudar no processo de recuperação de uma infidelidade. Fazer troça ou tirar sarro de si diante de uma situação desconfortável pode ser um caminho possível para dar novo significado à deslealdade com menos rancor.  

Sexóloga e especialista em psicologia familiar, Karina Vilaça avalia que ressignificar “a pulada de cerca” serve, inclusive, para crescimento pessoal. “A traição, ainda em sua maioria dos casos, desencadeia uma ampla gama de respostas emocionais, incluindo dor e sofrimento.

No entanto, algumas pessoas podem encontrar maneiras de reinterpretar essa experiência de forma mais positiva e construtiva”, afirma, destacando que este momento pode “incluir oportunidades de crescimento pessoal, reflexão sobre as dinâmicas do relacionamento e até mesmo fortalecimento dos laços interpessoais”, indica.

Na análise dela, a partir do momento que a pessoa não sente mais vergonha em se assumir “corno”, são maiores as chances de “desarmar a tensão” no entorno de uma infidelidade. “É uma forma de lidar com a situação de maneira mais natural, mais humana. Isso pode ajudar na recuperação ao permitir que a pessoa reconheça a situação sem se sentir totalmente subjugada pela dor ou pela humilhação”, aponta.

O psicólogo Cláudio Paixão concorda com Karina. “Há mecanismos de defesa para lidar com a traição, como fazer piadas. Isso pode tornar a situação mais leve. O amor envolve aprendizado, e, quando o meu relacionamento com o outro fracassa, se eu tiver senso crítico, consigo olhar para mim e pensar em formas para que aquela situação [traição] não se repita, observa.

Paixão complementa o raciocínio destacando que é necessário pensar que todas as pessoas, em algum momento da vida, são suscetíveis de serem traídas. “Quando você brinca com a situação, você se coloca como protagonista, e não como sujeito. Dessa forma, você despotencializa o peso que recai sobre as costas de quem é traído. Se eu faço piada sobre mim mesmo, as más línguas não têm mais nada o que falar. Além disso, chamo a solidariedade das outras para mim, já que estou em uma posição de vítima”, diz o psicólogo. 

Tratar a própria “cornice” com naturalidade pode evitar casos de violência, em que um dos dois pode reagir agressivamente ao descobrir uma traição. “Ao abordar o tema com bom humor, as pessoas podem encontrar maneiras de lidar com suas emoções de forma mais construtiva e menos agressiva.

O humor pode ajudar a desarmar situações carregadas de emoção, promover a empatia entre os envolvidos e facilitar a comunicação aberta e o perdão mútuo. Vale ressaltar a importância de sempre nos lembrarmos que o humor deve ser usado com sensibilidade e respeito pelos sentimentos das pessoas envolvidas, evitando minimizar ou desvalorizar a dor que possa estar sendo experimentada por alguém”, pondera Karina.

Como lidar com a ideia de ser “corno?”

Nem sempre é fácil ressignificar uma traição de maneira natural e sem traumas, no entanto. Tratar com jocosidade com uma infidelidade o tempo todo pode, aliás, mascarar sentimentos difíceis. “Em vez de enfrentar as emoções dolorosas, algumas pessoas podem recorrer ao humor como uma maneira de evitar o confronto com a situação real ou como uma forma de defesa psicológica. Isso pode ser uma estratégia temporária para lidar com a dor, mas é importante reconhecer que o humor não resolve os problemas subjacentes e que é essencial enfrentar e processar os sentimentos de forma mais direta e saudável ao longo do tempo”, estabelece Karina.

Lidar com uma traição pode ser desafiador, segundo a sexóloga, mas existem algumas estratégias que podem ajudar no processo de recuperação, como conseguir expressar os próprios sentimentos, manter uma comunicação aberta, praticar rotinas de autocuidado, definir limites, buscar apoio emocional e perdoar, se e quando estiver pronto.

“O perdão pode ser um processo longo e difícil, mas pode ser libertador para algumas pessoas. No entanto, é importante lembrar que o perdão não significa esquecer ou aceitar o comportamento de traição, mas, sim, liberar o peso emocional que a traição pode causar”, salienta Karina.

A traição, inclusive, não significa necessariamente no término, mas, para que o relacionamento volte ao que era antes, Cláudio faz uma ponderação. “Um relacionamento é feito de três pessoas: o eu, o você, e o nós. Então, as regras que determinam o romance devem ser acordadas por todos. Quando há uma traição, o ‘nós’ é quebrado, pois o relacionamento é feito na base da confiança. Se eu reato o relacionamento em que há traição, tenho que admitir que aquele ‘nós’ acabou e que vou começar um relacionamento do zero, para ser encarado de forma positiva”, reitera o especialista.