Saúde

Alotriofagia: desejo de comer coisas que fazem mal ao corpo

Doença pode ser causada pela falta de algum nutriente no organismo ou por transtorno psicológico

Por Da Redação
Publicado em 18 de outubro de 2017 | 03:00
 
 
Carol conta que tinha consciência de que engolir pedaços retirados das paredes lhe faria mal Foto: arquivo pessoal

“Começou quando eu tinha uns 4, 5 anos. Sentia desejo de mastigar giz, cal de parede... Às vezes, mordia sabonetes, daqueles transparentes de glicerina”, conta a autônoma Carol Oliveira, 28. O que parecia ser apenas uma curiosidade infantil tornou-se um grave distúrbio. Por volta dos 20 anos de idade, ela comia, mesmo sabendo que poderia lhe fazer mal, pedaços de parede.

Carol faz parte de um grupo de pessoas que sofre com a alotriofagia – ou síndrome de pica –, como é chamado o distúrbio que provoca desejo de comer itens com pouco ou nenhum valor nutricional, como pedras e objetos metálicos, entre outros.

O distúrbio é mais comum em pessoas que apresentam algum transtorno psicológico, como depressão e ansiedade, utilizam determinadas drogas ou têm alguma deficiência nutricional no organismo, como a falta de ferro e de zinco.

A situação de Carol piorou quando ela viveu um relacionamento durante sete anos com um rapaz dependente de cocaína. Ela acabou se tornando usuária e passou a ter depressão.

“Eu tentava evitar engolir (os pedaços arrancados da parede), porque eu tinha consciência de que aquelas substâncias me fariam mal”, comenta. Mas não teve jeito. E Carol apresentou alguns problemas gastrointestinais.

O passo seguinte foi procurar ajuda médica. “Fiz terapia, mas com muita força de vontade. Até hoje, se me pego deprimida, próxima a uma parede descascada, me dá vontade (de comer)”, afirma.

A última recaída foi há três anos. “Pratico ioga, meditação. Quando me sinto mal, busco nessas práticas algo para me preencher. Hoje, consigo me controlar”, comemora.

Caso inédito. Na França, o caso de um paciente de 52 anos surpreendeu os médicos. Em dezembro passado, o homem, com diagnóstico de psicose e hábito de ingerir objetos, procurou o hospital de Poissy. Ele tinha febre, náusea e fortes dores abdominais.

Um raio X revelou que ele tinha mais de cem peças de metal, acumuladas em um bolo alimentar, no estômago. Por causa das lesões gastrointestinais, os objetos foram retirados por meio de cirurgia. O caso foi descrito na edição de setembro da revista médica “BMJ Case Reports”.

Complicações. A síndrome de pica pode provocar uma variedade de complicações sérias, como disfagia (dificuldade de engolir alimentos), odinofagia (dor ao engolir), salivação e dor torácica.

Além disso, em todos os casos, deve-se investigar sinais de complicações, como dificuldades respiratórias, hemorragias digestivas ou enfisema subcutâneo, de acordo com o gastroenterologista Carlos Saul, professor de pós-graduação da Faculdade Ipemed.

Sinais de alerta. Para a doença ser caracterizada, o paciente deve sentir vontade de comer objetos há mais de um mês e ter idade suficiente para conseguir ter o raciocínio perfeito.

FOTO: BMJ/reprodução
Raio X mostra “bolo” de objetos metálicos no estômago de francês

Tratamento inclui clínico e psiquiatra

Os especialistas mais indicados para casos de alotriofagia são o psiquiatra e o clínico geral. Diante do sintoma, o profissional fará uma série de perguntas. É preciso saber, por exemplo, se o paciente tem o hábito há muito tempo e tipos de objeto que vem ingerindo. O médico pode solicitar exames para verificar deficiência em zinco ou ferro.

Caso a origem do mau hábito seja mental, o tratamento vai depender do tipo da psicopatologia, diz o psiquiatra Cláudio Costa, professor da Faculdade Ipemed, “Os medicamentos são escolhidos a partir do diagnóstico, podendo (o quadro) ser ansiedade, depressão ou psicose”.

Segundo o gastroenterologista Carlos Saul, a retirada do objeto do estômago vai depender do formato dele. “Se for pontiagudo (que pode perfurar um órgão), será por meio de cirurgia. Em casos menos graves, como um objeto que não oferece perigo iminente, ele será tirado com o aparelho de endoscopia”, explica.