Neurologia

Cientistas reativam células de cérebros de porcos mortos

Estudo pode ajudar a entender melhor a estrutura após a morte, dizem autores

Qui, 18/04/19 - 03h00
Esperança. Estudo de cientistas norte-americanos usou 32 cérebros extraídos de porcos já mortos | Foto: VIP/divulgação

Paris, França. Um grupo de pesquisadores conseguiu restabelecer certas funções neuronais no cérebro de porcos que haviam morrido havia algumas horas – um marco digno da ficção científica, que não prova, porém, que a ressurreição seja possível.

O estudo publicado nesta quarta-feira (17) na revista “Nature” indica que nos cérebros estudados não foi detectada “nenhuma atividade elétrica que implicaria um fenômeno de consciência ou percepção”. “Não são cérebros vivos, mas cérebros cujas células estão ativas”, afirma um dos autores do estudo, Nenad Sestan.

Segundo Sestan, pesquisador da Universidade de Yale, esses trabalhos demonstram que “subestimamos a capacidade de restauração celular do cérebro”. Além disso, sugerem que a deterioração dos neurônios como consequência ‘da interrupção do fluxo sanguíneo poderia ser um processo de longa duração”, informa comunicado da “Nature”.

Os cérebros dos mamíferos são muito sensíveis à diminuição do oxigênio provido pelo sangue. Por isso, quando se interrompe o fluxo, o cérebro para de estar oxigenado, e os danos são irreparáveis.

O estudo

Os pesquisadores utilizaram 32 cérebros de porcos mortos havia quatro horas. Graças a um sistema de bombeamento batizado de “BrainEx”, eles foram irrigados durante seis horas com uma solução a uma temperatura equivalente à do corpo (37 graus). Essa solução, um substituto do sangue, foi concebida para oxigenar os tecidos e protegê-los da degradação derivada da interrupção do fluxo sanguíneo.

Os resultados foram surpreendentes: diminuição da destruição das células cerebrais, preservação das funções circulatórias e inclusive restauração de uma atividade sináptica (sinais elétricos ou químicos na zona de contato entre neurônios).

Segundo os pesquisadores, o estudo poderia permitir uma melhor compreensão do cérebro, estudando de que forma este se degrada “post mortem”. Também abriria caminho para futuras técnicas para preservar o cérebro após um infarto, por exemplo.

Teoricamente, a longo prazo, poderia servir para ressuscitar um cérebro morto, algo impossível por enquanto. O sistema BrainEx está longe de estar pronto para uso em pessoas, acrescenta Sestan, até porque é difícil de usar sem antes remover o cérebro do crânio.

Resultado provoca grande debate ético

Nova York. “Os desafios imediatos que esses resultados implicam são principalmente éticos”, ressalta o professor David Menon, da Universidade de Cambrigde, que não participou do estudo. O estudo reabre a questão sobre “o que é que faz com que um animal ou um homem estejam vivos”, afirmam outros cientistas em comentário publicado paralelamente na “Nature”.

“Esse estudo utilizou cérebros de porcos que não haviam recebido oxigênio, glicose nem outros nutrientes durante quatro horas. Portanto, abre possibilidades até agora inimagináveis”, segundo Nita Farahany, Henry Greely e Charles Giattino, respectivamente professora de filosofia e especialistas em neurociências.

O estudo poderia colocar em questão dois princípios científicos, segundo estes especialistas. “Primeiro, o fato de que a atividade neuronal e a consciência param definitivamente após segundos ou minutos de interrupção do fluxo sanguíneo no cérebro dos mamíferos”, dizem. “Segundo, o fato de que a menos que se restaure rapidamente a circulação sanguínea, é ativado um processo irreversível que leva à morte das células e em seguida à do órgão”, afirmam.

Os três especialistas exortam a estabelecer “diretivas sobre as questões científicas e éticas que o estudo levanta”. Em outro comentário na “Nature”, especialistas em bioética alertam para o risco, a longo prazo, de prejuízos para a doação de órgãos. Para os transplantes, a maioria dos órgãos é obtida de doadores com morte cerebral.

 

Expectativas

“Para a maior parte da história humana, a morte foi muito simples. Agora, temos que questionar o que é irreversível.”

Christof Koch

Presidente do Instituto Allen de Ciências do Cérebro

 

“É concebível que estamos apenas evitando o inevitável, e descobriremos que o cérebro não poderá se recuperar. Voamos algumas centenas de metros. Mas podemos realmente voar?”

Nenad Sestan

Neurocientista líder da pesquisa

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