Cuidados

Depressão pós-parto e câncer de mama merecem atenção masculina

Doenças predominantemente diagnosticadas em mulheres, o que se se levar a crer que os homens estão imunes a elas

Dom, 20/01/19 - 02h00
O aposentado Joaquim Paz precisou retirar um tumor maligno na mama | Foto: Fernanda Garcia/Divulgação

Em um banner com fundo rosa, surge a imagem de uma mulher que faz o autoexame. No filme, a personagem, ainda no leito após dar à luz, recusa o filho. É assim que o câncer de mama e a depressão pós-parto costumam ser lembrados. De fato, essas e outras doenças, como varizes e infecção urinária, são predominantemente diagnosticadas em mulheres. Porém, a generalização acaba incorrendo no equívoco de se levar a crer que os homens estão imunes a elas.

Estudos apresentados no Congresso da Associação Americana de Psicologia em 2018 mostram que o índice de homens com depressão pós-parto pode chegar a 10%, número praticamente idêntico aos cerca de 13% atribuídos às mães. Uma pesquisa sueca publicada na “Scandinavian Journal of Psychology” foi mais longe: ao avaliar 447 voluntários, chegou-se à conclusão de que 27% deles tiveram sintomas de depressão relacionados ao nascimento do filho. Principal autora do levantamento, Elisa Psouni defende que os homens enfrentam cada vez mais os mesmos dilemas que as mães, como combinar paternidade e trabalho e privação do sono.

O psicólogo e professor da PUC-MG Celso Renato Silva pondera, porém, que é preciso avaliar o quadro individual dos novos pais para um diagnóstico preciso. Ele explica que, por um lado, é fato que os homens tendem a negligenciar sua saúde (e uma depressão pós-parto poderia ser tratada como algo menor), mas, por outro lado, há uma banalização do diagnóstico de depressão. “Existem estudos que mostram que até pais adotivos podem estar sujeitos a depressão, excluindo, assim, a ideia de a doença ser algo unicamente orgânico (influenciado pelas taxas hormonais femininas, como se pensava). No entanto, também há um interesse do mercado em apresentar novos transtornos mentais. Ou seja, não podemos negligenciar a depressão pós-parto em homens, mas também não devemos banalizar os diagnósticos”, comenta.

A depressão pós-parto masculina, conforme Silva, estaria ligada à reconfiguração da paternidade na atualidade. “O pai sai desse lugar tão patriarcal e machista: agora, ele não ‘ajuda’, ele ‘participa’, mas isso gera angústia, preocupação, ansiedade – o que pode evoluir para depressão”, argumenta. O professor reforça, contudo, a necessidade de não se confundir depressão com tristeza, já que a primeira se apresenta em um período mais duradouro e com sintomas mais intensos, como alteração do humor e do apetite, apatia, irritabilidade e ansiedade.

Câncer

Enquanto a depressão pós-parto em homens ainda gera debates, há enfermidades sobre as quais não há questionamentos a respeito da possibilidade de atingirem o sexo masculino, como é o caso do câncer de mama. Mas, como a porcentagem de homens acometidos é pequena (cerca de 1% do total), o problema costuma ser a identificação da doença para tratamento.

O aposentado Joaquim Paz, 62, sabe disso desde 2011, quando teve a doença. É por isso que ele usa a palavra “sorte” duas vezes para o fato de ter conseguido um diagnóstico relativamente precoce: ao citar o fato de namorar uma enfermeira e de seu tumor ter sido acompanhado por dores ao toque. “Eu dei ‘sorte’ de ter um tumor que doía, porque a maioria não é assim. Também dei ‘sorte’ de a minha mulher ser da área de saúde. Ela viu que havia uma retração do mamilo e marcou um mastologista. Até então, eu pensava que mastologista era só para a mulher. Logo na primeira consulta, o médico pediu uma ultrassonografia e um pré-cirúrgico”, relembra.

Após uma biópsia confirmar que a doença era maligna, ele foi submetido a uma mastectomia radical, sessões de quimioterapia e radioterapia. Hoje, Paz atua voluntariamente junto ao grupo Amigos da Mama (Adama), em Niterói, no Rio de Janeiro, para reforçar a importância da prevenção e do autoexame. Ele também é voluntário em um hospital. “Quero estimular os homens para que lembrem suas mulheres de fazerem o autoexame, e as mulheres para que, quando fizerem, façam com maridos e namorados”, conta.

Infecções urinárias ou por HPV alertam para doenças graves

Para cada dez mulheres que têm infecção urinária, um homem terá a doença. O índice pequeno não pode ser desconsiderado, porém, principalmente porque, enquanto a mulher sofre com esse problema até mesmo pela anatomia (tamanho da uretra e sua proximidade com ânus e vagina), no homem a enfermidade pode ser sinal de um problema mais grave. Quem explica isso é o médico Carlos Corradi, chefe do Departamento de Urologia do Hospital das Clínicas da UFMG.

“Quando o homem apresenta a doença, normalmente teremos que curar alguma outra causa. Se for em um idoso, pode indicar problema na próstata, cálculos urinários, obstrução ou estreitamento da uretra, por exemplo. Então, uma infecção urinária masculina pode demandar mais exames, porque normalmente é a consequência de outros problemas”, explica.

Os sintomas iniciais são quase sempre idênticos aos das mulheres, como ardor ao urinar – e, às vezes, febre. O tratamento é feito com antibióticos – mas podem ser necessários mais remédios.

HPV

Outras infecções mais comentadas na mulher, mas que também têm graves consequências para o homem, são as causadas pelo vírus HPV. O governo inicialmente havia promovido campanhas para a vacinação de meninas contra o vírus – mas especialistas defendem que também os meninos sejam vacinados antes do início da vida sexual. Nelas, a presença do HPV pode levar ao câncer de colo de útero, bastante comum e de difícil diagnóstico. Neles, ao câncer de pênis.

“O câncer peniano não é tão comum quanto o de útero, porque é mais fácil higienizar o pênis que a vagina, pela anatomia dos órgãos sexuais. Vale dizer que o câncer de pênis pode ser gravíssimo”, diz Corradi, ao explicar que o aparecimento de verrugas já indica necessidade de tratamento. Ele ainda reforça que a prevenção, com a vacina, o uso de preservativo e a correta higiene do pênis colaboram para a diminuição da incidência de HPV e de câncer de pênis.

Varizes: problema para além da estética para eles também

Muitas doenças que têm predominância em mulheres só chamam atenção de homens quando os sintomas estão bem evidentes. Foi o caso do bibliotecário Marcus Martins, 33. “Em 2016, eu comecei a perceber um cansaço nas pernas, uns vasinhos aparecendo, mas não liguei muito. Em 2017, quando começou a doer muito, resolvi ir ao médico. Na minha panturrilha direita, apareceu um roxo, e eu sentia um desnível na pele”, lembra. Era o alerta para as varizes. O diagnóstico veio do mesmo médico que já tratava a avó de Martins. “Eu nunca tinha visto homem com a doença”, lembra.

O caso dele não foi cirúrgico porque, mesmo demorando a procurar um médico, Martins tinha conhecimento do histórico familiar. Fatores genéticos, sedentarismo, trabalhar longos períodos sentado ou de pé são condições que influenciam a doença, conforme explica a angiologista e cirurgiã vascular Solange Evangelista, diretora da Clínica Varizemed. “As mulheres são mais acometidas porque pesa a questão hormonal, a gravidez, o anticoncepcional e a obesidade, mas, de todas as pessoas que apresentam varizes, 20% são homens, não é um índice tão desprezível”, diz.

Vaidade

Para ela, a percepção de casos é menor porque só recentemente eles passaram a expor as pernas. “Agora, eles estão procurando mais tratamento, mas muitos só vêm quando estão em estágio avançado, com muito relevo, veias calibrosas já”, comenta. Vale dizer que o tratamento não é apenas estético. “As varizes são veias que se tornam dilatadas, tortuosas e não cumprem mais a função de retornar o sangue venoso da perna para o coração. Podem ser fatores de risco para trombose e outras doenças”, diz.

A importância de procurar o médico já nos primeiros sintomas ainda tem outro motivo: evitar tratamentos mais invasivos. “Hoje, há alternativas menos agressivas: a pessoa não precisa sair das atividades profissionais, não há indicação de corte nem de repouso, muitas vezes”, diz a médica.

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