Estética

Implante hormonal torna-se controverso ‘chip da beleza’

Para colher benefícios agregados do anticoncepcional, como melhora da pele, mulheres aderem à moda

Sex, 23/06/17 - 03h00
Walter Pace afirma que implante hormonal (no detalhe) é indicado para casos específicos | Foto: Moisés Silva

O implante hormonal é um bastonete de cerca de 3 cm inserido sob a pele da mulher para atuar como preventivo da gravidez. Por vezes, ele acaba trazendo benefícios agregados, como melhora da pele, redução da celulite e aumento da libido, além de transformar massa gordurosa em magra. São essas vantagens que estão transformando um método contraceptivo naquilo que já vem sendo chamado de “chip da beleza” – ou “chip da dieta” ou “chip fashion” –, uma ferramenta controversa e perigosa para fins unicamente estéticos.

Esse tipo de instrumento existe há mais de 30 anos. E, assim como comprimidos, injeções e supositórios podem conter várias substâncias, os implantes são considerados apenas mais uma via para a administração de diferentes hormônios, compara o titular da Academia Mineira de Medicina e coordenador geral da pós-graduação de ginecologia minimamente invasiva da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Walter Pace.

As vantagens aparecem porque, no caso das pílulas, a substância é metabolizada no fígado – o que costuma provocar alguns efeitos colaterais –, o que não acontece com o implante, que cai diretamente na circulação sanguínea. “O homem já tem dez vezes mais hormônios androgênicos (como a testosterona e a gestrinona) do que as mulheres, e todos os anticoncepcionais diminuem essa ação, então tudo que diz respeito a ganho de massa e libido, por exemplo, fica desfavorecido (nas que ingerem a pílula)”, explica.

Indicação. Em mulheres, diz o médico, a principal indicação do implante é para corrigir desequilíbrios hormonais, endometriose e miomas. A técnica permite individualizar e adequar o tratamento de acordo com cada caso. Homens também podem fazer o uso.

Nesses casos, o ideal é que no implante sejam usados hormônios bioidênticos (iguais aos naturais – portanto, sem os riscos e os efeitos colaterais que os sintéticos causam. “Na terapia de reposição hormonal pós-menopausa, são empregadas substâncias idênticas às que eram produzidas pelo ovário, pois o organismo não sabe reconhecer o implante, e então devolvemos à mulher aquilo que o organismo deixou de ter”, diz. Porém, o que se vê sendo usado para finalidade estética são substâncias sintéticas.

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) também não recomenda que qualquer tratamento hormonal seja aplicado em pacientes sem diagnósticos, com finalidade estética ou para antienvelhecimento e com fórmulas sintéticas, pois ainda não existem estudos que mostrem os benefícios desse uso sem que haja qualquer tipo de prejuízo.

Membro da diretoria nacional do órgão, Paulo Miranda enumera os riscos: “Trombose venosa profunda, trombose pulmonar, aumento de doenças hepáticas, eventos cardiovasculares e até alguns tipos de câncer são alguns problemas”. O aumento da oleosidade da pele, a alteração no timbre da voz e a produção de pelos, como acontece com os anabolizantes, também já foram relatados.

Uso. Nos EUA, o médico norte-americano Jeffry Life é um dos principais defensores do implante do chip com hormônios para combater o envelhecimento. Aos 78 anos, ele exibe abdômen sarado, peitoral definido e braços musculosos.

No Brasil, a maioria dos “chipados”, como são conhecidos os adeptos, são modelos, famosos e pessoas ligadas ao universo fitness.

Um dos pioneiros na fabricação de implantes hormonais no país é o ginecologista Elsimar Coutinho, que atende em clínicas em quatro Estados. Em Minas Gerais, o endocrinologista Cláudio Ambrósio é conhecido por ser o médico do tratamento metabólico das celebridades, como os atores Milena Toscano e Paulo Vilhena, entre outros.

Valor. O preço do “chip da beleza” pode variar de R$ 3.000 a R$ 8.000. O implante pode ser colocado no consultório médico e durar até três anos, até ser totalmente absorvido pelo corpo.


Órgãos condenam a prática, e médicos podem ser punidos

Publicamente, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia manifestou-se dizendo que essa modalidade de tratamento, chamada “modulação hormonal”, não é reconhecida e que “médicos e outros profissionais que utilizam hormônios no tratamento de pacientes sem deficiências hormonais podem ser penalizados pelos conselhos profissionais pela má prática da medicina”.

Além disso, eles também podem ser responsabilizados na esfera cível e até penal, afirma a nota.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já houve registro de cápsulas para o tratamento de endometriose contendo gestrinona (substância do “chip da beleza”), mas os registros foram cancelados em 2012 e 2014. Há registro do medicamento Implanon (cujo princípio ativo é o etonogestrel) na forma de implante. A indicação aprovada do medicamento é para anticoncepção, portanto não é aprovado para finalidade distinta da que consta em bula.

A Anvisa informa ainda que o emprego de medicamentos para indicações diferentes das aprovadas pelo órgão é caracterizado como uso “off label” (fora da indicação de bula ou protocolo). Nesse caso, a responsabilidade por esse uso é do profissional prescritor.

Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), a utilização de hormônios em pessoas que não apresentam deficiências hormonais é contraindicada. “É vedado ao médico realizar atos não consagrados nos meios acadêmicos ou ainda não aceitos pela comunidade científica”, afirma nota.

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