Transtorno

Síndrome de burnout: pandemia pode aumentar incidência

Antes da Covid-19, condição já atingia 32% dos trabalhadores brasileiros; profissionais da saúde, da segurança, da educação e da comunicação são grupo de risco

Ter, 22/09/20 - 03h00
Autora de "Dá um tempo! Como encontrar limites em um mundo sem limites", Izabella Camargo teme que pandemia agrave casos de síndrome de burnout | Foto: Divulgação

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Quando tornou-se pública, a história da jornalista Izabella Camargo logo causou comoção: diagnosticada com síndrome de burnout – um transtorno ocupacional ligado à exaustão física e mental e com desdobramentos em sintomas diversos no organismo –, ela ficou afastada por dois meses de sua rotina profissional. Ela vinha de uma rotina desgastante, que levou seu corpo a pedir socorro – os sintomas, lembra, começaram a ser percebidos em 2014, enquanto a síndrome só foi descoberta cerca de três anos depois, quando tratava separadamente 26 manifestações físicas que, embora não imaginasse, estavam todas relacionadas ao distúrbio. 

Toda a situação gerou uma onda de solidariedade, que não se explica apenas pelo fato de Izabella ser uma figura conhecida pelo trabalho na televisão: pelo menos 33 milhões de brasileiros potencialmente estão representados e se reconhecem na história dela. É o que sugerem dados de uma pesquisa de 2018 da Associação Internacional de Gestão do Estresse (International Stress Management Association – Isma), que apontam que 32% dos trabalhadores brasileiros têm a síndrome. 

Ciente do tamanho do problema, a produtora de conteúdo digital lançou, há um mês, o livro “Dá um Tempo! Como Encontrar Limite em um Mundo Sem Limites”, que é resultado de quatro anos de pesquisa. Reunindo 150 entrevistas com figuras como os filósofos Leandro Karnal e Mário Sergio Cortella, a atriz Fernanda Montenegro e o padre Fábio de Melo, a publicação busca refletir sobre as implicações para a saúde mental das cobranças excessivas e insustentáveis por produtividade – tema sobre o qual Izabella se debruça há tempos, sendo assunto presente em suas redes sociais e sobre o qual discorre em palestras. 

E se a estimativa era de que até um terço dos trabalhadores brasileiros sofriam com a síndrome há dois anos, agora, por conta das mudanças socioculturais e laborais implicadas pela pandemia da Covid-19, esse índice pode se ampliar. Izabella lembra que alguns profissionais estão mais suscetíveis ao problema, caso de professores, profissionais da saúde, policiais, entre outros. “São categorias que vieram de um aumento de trabalho, muitos estão exaustos”, comenta. Mesmo entre outros setores, as mudanças nas dinâmicas laborais, por exemplo, no caso de pessoas postas em regime de teletrabalho, podem contribuir para um cotidiano de jornadas excessivas dado que as fronteiras entre a rotina doméstica e a profissional ficaram mais borradas. Ao mesmo tempo, o medo do desemprego pode gerar o silenciamento de empregados, que, mesmo sofrendo, podem preferir não levar suas queixas para suas chefias. 

O cenário, portanto, pode levar a um agravamento de quadros de adoecimento mental. No início de maio, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) divulgou um levantamento indicando que 47,9% dos associados perceberam aumento em seus atendimentos após o início da pandemia. Detalhe: 69,3% do grupo informou que atendeu pacientes que já haviam recebido alta médica e que tiveram recidiva de seus sintomas, que retornaram ao consultório ou fizeram novo contato para atendimento. “Além disso, 89,2% dos médicos destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes devido à pandemia de Covid-19”, diz um comunicado da entidade. 

Os dados refletem a realidade da assistência em geral, sem haver um recorte sobre o impacto das atividades laborais para o aumento dessa demanda. Mas, de sua experiência clínica, a psiquiatra Jaqueline Bifano garante ter observado um sensível aumento em relação a queixas por esgotamento em razão do trabalho – principalmente para trabalhadores das categorias citadas como de risco ou para pessoas que passaram por situações de trauma no ambiente profissional.  

Transtorno foi reconhecido pela OMS em 2019 

Em 2019, a síndrome de burnout ganhou uma nova classificação, sendo entendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como resultante de estresse crônico no trabalho – definição que será incorporada à Classificação Internacional de Doenças (CID) em 2022.

Izabella Camargo lembra que, como outros distúrbios, o entrecruzamento de três fatores é decisivo para o desenvolvimento desse problema de saúde mental: “São fatores genéticos, ambientais e comportamentais”, expõe, lembrando que, diferentemente do simples estresse por excesso de trabalho, esse quadro clínico ocasiona, por exemplo, exaustão e diminuição de energia mesmo fora do ambiente estressor. Também provoca a queda da produtividade.

“Se não tentarmos colocar um limite em nós mesmos, nosso corpo vai fazer isso por nós”, assevera Izabella. “O nosso organismo manda bilhetes. Começam a vir sinais como agressividade, impaciência e cansaço. Além disso, podem surgir manchas na pele, queda de cabelo acentuada, dores no estômago, e o intestino pode ficar irritado”, comenta.

Caso esse conjunto de sintomas siga sendo negligenciado, questões mais graves podem surgir, como apneia, enxaquecas e problemas vasculares. “Depois que seu corpo já pediu ajuda e te mandou bilhetes que você não leu, então os órgãos mais vulneráveis – e pode ser o rim, o intestino, o fígado – vão começar a sofrer”, situa. Por fim, se mesmo diante dessas manifestações a síndrome não for tratada, Izabella lembra que há risco de agravamento, ampliando o risco para Acidente Vascular Cerebral (AVC) e para infarto do miocárdio, por exemplo.

Prevenção passa por cuidados simples e pelo respeito de limites

Excetuando-se os fatores genéticos, aspectos ambientais e comportamentais podem ser retrabalhados de forma a prevenir o desenvolvimento da síndrome de burnout. Izabella recomenda que os profissionais, ao se sentirem sobrecarregados, comuniquem esse fato a seus líderes e aos setores responsáveis. Quanto às empresas, avalia que a chefia deve buscar construir um ambiente laboral saudável.

A psiquiatra Jaqueline Bifano concorda. Para ela, as organizações precisam criar condições para que seus funcionários tenham prazer em sua rotina. “Pausas durante o dia e um espaço amistoso de descontração são importantes. Além disso, se alguém sair de férias ou se houver demissão, não se devem acumular as funções daquela pessoa em um só funcionário”, aponta.

“Individualmente, é fundamental conhecer nossos limites e, fora do trabalho, realizar atividades que nos dão prazer – entre elas, exercícios aeróbicos e de meditação e relaxamento, além de buscar manter contato com pessoas das quais gostamos”, sugere a psiquiatra. Entendendo que diante da novidade das configurações de trabalho remoto tornou-se mais difícil estabelecer o início e o fim da jornada, ela sugere que líderes estimulem suas equipes a cumprir o itinerário formal, como se estivessem na empresa. Por outro lado, defende que os trabalhadores busquem consolidar uma rotina clara em que tarefas domésticas e a laborais não se misturem.

Pessoas diagnosticadas com a síndrome de burnout devem ser tratadas com especialistas da psiquiatria, explica Jaqueline. Em geral, mas não necessariamente, recorre-se ao uso de medicamentos associados à psicoterapia, completa. E Izabella ratifica. Lembrando ter sofrido um episódio, a jornalista sentencia: "Burnout pode ser um freio, mas não significa um fim".

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