Você é vigiado o tempo todo – até por acaso

Não é raro uma pessoa se ver em fotos e vídeos de gente que nem conhece; sensação de segurança se confunde com perda de privacidade

Dom, 25/02/18 - 03h00

No celular, no computador, nas ruas, em estabelecimentos comerciais e privados e até no ar, em drones. As câmeras estão por todos os lados. A vigilância excessiva torna-se, para muitos, sinônimo de segurança. Para outros, no entanto, representa o fim da privacidade a partir do momento em que desconhecidos têm posse de suas imagens.

Nesse Big Brother da vida real, a estudante Gabriela Marques

, 18, já teve sua experiência. Durante 15 dias, ela frequentou um cursinho pré-vestibular em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, que tem 94 câmeras para vigiar as baias de estudo, uma para cada aluno. “Eu não conseguia me concentrar, eu me senti muito incomodada”, conta.

Em “Vigilância Líquida”, o filósofo polonês Zygmunt Bauman e o sociólogo David Lyon, do Centro de Estudos de Vigilância da Queen’s University, no Canadá, refletem sobre a fluidez da segurança no mundo atual e explicam a proliferação, por toda parte, dos dispositivos de controle. Segundo os autores, hoje impera uma sensação onipresente de insegurança – advinda de ameaças terroristas e hackers, mas também do desconhecido.

Por medo de assaltos, o aposentado Carlos José da Luz, 60, instalou 12 câmeras para vigiar sua casa de todos os ângulos, com possibilidade de monitoramento até pelo celular. “Seria melhor não precisarmos disso, e que a cidade fosse mais segura. Mas, infelizmente, a gente tem que se proteger”, diz.

Os especialistas afirmam que, até certo ponto, essa vigilância pode parecer positiva, mas há também um sistema de monitoramento no qual sites e aplicativos acabam tendo acesso a informações pessoais. Casos como de Chelsea Manning, Julian Assange e Edward Snowden exemplificam o tipo de vigilância que pode acontecer por meio da internet e da coleta de dados.

Para a corretora de imóveis Cynthia Ferreira, 28, aparecer em fotos de terceiros ou ser marcada em redes sociais de amigos tem gerado certo incômodo. “Às vezes, a gente não quer expor determinada situação e alguém vai lá e faz. Parece que as pessoas perderam um pouco o limite”, diz. Segundo o professor canadense David Murakami, essa visibilidade acontece porque temos “o desejo de sermos conhecidos, reconhecidos e respeitados, e todas essas coisas exigem algum grau de visibilidade”.

O humorista Ricardo Bello, 40, conta que também já trabalhou sob vigilância. “O chefe colocou uma câmera, e todos tinham medo. Depois, descobrimos que era falsa. Em locais de trabalho, as câmeras intimidam”, afirma.

Bello diz não se sentir incomodado com o monitoramento em locais públicos, mas, quando as câmeras estão em elevadores e corredores de prédios, ele fica mais retraído. “Ainda há um pouco de privacidade, mas, se não prestarmos atenção, acho que podemos perder a liberdade”, diz.

Nome fictício

 

Lei exige autorização e distância mínima para uso de drones

A expectativa para 2017 era que a venda de aeronaves não tripuladas aumentasse 39%, chegando a 3 milhões de unidades em todo o mundo. Com uma simples busca na internet já é possível perceber o crescimento do mercado de drones – equipamentos que, por serem capazes de produzir fotos e vídeos de altíssima qualidade, também vêm tendo sua utilização questionada sob o ponto de vista da vigilância.

O diretor geral da ModelismoBH, Lucas Sales, conta que acabou de inaugurar a primeira filial em São Paulo, devido à grande demanda da cidade em relação aos drones para uso civil. “Nossos clientes compram drones para trabalhos especiais ou para lazer/hobby. Muitos estão apostando no mercado de imagens aéreas”, comenta.

Sales diz que, nos últimos dez anos, as aeronaves remotamente pilotadas evoluíram espantosamente, saindo de um processo inseguro de pilotagem. Hoje, diz o diretor, um equipamento profissional oferece inúmeros recursos, mas é preciso ficar atento à lei.

“A legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) define que é necessário manter 30 m de distância e 30 m de altitude de uma pessoa que não tenha autorizado o voo próximo de si; e também é proibido ultrapassar 120 m de altura em relação ao solo quando o voo é sem fim profissional, entre outros pontos da lei, que entrou em vigor em maio de 2017. Quanto ao disparo de fotos e gravações de vídeos de outra pessoa, isso pode, sim, ter repercussão judicial caso não tenha sido autorizado”, diz.

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