Sustentabilidade

Escola adota agroecologia no currículo diário e faz autogestão

Com 250 alunos, instituto privado implanta diversas iniciativas alinhadas à agenda ESG; pais e comunidade escolar integram diretorias e conselhos gestores

Por Cristiana Andrade
Publicado em 27 de setembro de 2023 | 06:00
 
 
Horta é terreno fértil para alunos do Ouro Verde aprenderem conceitos de agroecologia e ainda fonte dos alimentos consumidos Laura Guimarães/Divulgação

Há vários projetos em curso no Brasil que tentam inserir os conceitos de ESG nos processos educacionais, principalmente em instituições privadas de ensino. Fundado em 2013, por pais e professores que procuravam uma escola que cultivasse determinados valores, o Instituto Educacional e Cultural Ouro Verde, em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte, tem atualmente 250 alunos. A valorização das diferenças e do trabalho em equipe e a transparência com a gestão integram o modelo, naturalmente alinhado à agenda ESG.

“Foi a partir de uma colheita de sonhos e de visões que criamos a escola, fundamentada em quatro pilares básicos, sendo o primeiro deles a pedagogia Waldorf, baseada na antroposofia. Uma escola que adota a gestão participativa e a autogestão, uma escola verde e inclusiva, que extrapola a inclusão de crianças com necessidades específicas, que já é um direito, mas engloba também a inclusão socioeconômica, a partir do oferecimento de bolsas de estudo para alunos do ensino fundamental público da região onde estamos inseridos”, explica Thaís Souza Grossi Franzoni, diretora-presidente da associação mantenedora do Ouro Verde.

O contato com a agroecologia é um diferencial da escola, que oferece a disciplina do maternal até o nono ano. Meninos e meninas do oitavo ano do Ouro Verde, por exemplo, ficam na escola, durante três vezes na semana, das 7h30 às 16h30, e, além das aulas convencionais previstas na base curricular do Ministério da Educação, aprendem noções de agroecologia, artes e teatro e fazem trabalhos com madeira em uma marcenaria, que fica no meio da floresta.

Os lanches e o almoço são preparados com alimentos naturais, sendo boa parte cultivada pelos próprios alunos. “Temos Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), e os resíduos da cozinha são reaproveitados, transformando-se em adubos naturais para as plantações próprias escola ou produtos alternativos, como o sabão feito a partir dos restos de óleo de cozinha”. 
 

Gestão participativa

Na parte da gestão pedagógica e escolar, os conceitos referentes à governança, ao ambiente e ao social também estão presentes. Conforme explica a diretora-presidente, a escola é gerida por uma associação de pais e professores e pessoas afins que acreditam no projeto. Há um conselho gestor; a associação mantenedora, composta por cinco diretorias; o conselho pedagógico, com representantes da escola e dos professores; o conselho de pais; e o núcleo central, que tem integrantes de cada um dos outros grupos.

Além disso, há as comissões de trabalho para temas como alimentação, ecologia, boa vizinhança, ações afirmativas, orçamento participativo, entre outras. 

“Todo mundo que quiser participar da gestão da escola pode se inserir em um dos grupos. E todo esse trabalho é voluntário, sem remuneração. E todos nós, que hoje fazemos isso por nossos filhos que aqui estudam, acreditamos na perenidade dessa proposta, porque a escola é um organismo vivo, e essa sustentabilidade é vital para que ela continue existindo para quem vier depois. Para os alunos, acredito que seja gratificante ver que os pais participam ativamente de todo o processo escolar e também da construção de valores e conhecimentos deles”, acrescenta Thaís Franzoni.

Transformação social é meta para o agora

O exemplo do Instituto Ouro Verde ocorre dentro de um cenário de ensino privado. E a pergunta é: quais seriam as chances de inserção de práticas educacionais pautadas pelo conceito ESG no dia a dia das escolas públicas brasileiras? Um dos primeiros obstáculos para isso ocorrer é o país alcançar a diretriz da Organização das Nações Unidas (ONU) 2030 de ter todas as crianças e jovens com fluência em língua portuguesa e matemática. 

“A partir dessa data, o mundo passará a ser praticamente 100% digitalizado e, enquanto a China tem quase 85% dos seus jovens no nível 6 do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o Brasil tem 85% dos seus no nível 1, porque não sabem português e matemática de maneira nenhuma, ou seja, não sabem o básico. A criança e o jovem que não sabem matemática não têm habilidade emocional. Então, não adianta ensinar programação e planilha Excel para eles. Por isso, é preciso voltar atrás e entregar o que é básico”, pontua Matheus Toscano, do Instituto Rhyzos.

Para ele, enquanto não houver a mudança do pensamento da iniciativa privada de enxergar o ESG apenas como processo para cumprir e bater meta no final do ano, para de fato contribuir para a transformação social da massa de pessoas, o “G” da governança não vai se efetivar.

Segundo ele, “as empresas que continuam buscando resultados efetivos em ESG não podem mais apenas se basear em cumprir cota de pessoas pretas e pardas, LGBTQI+ ou pessoas com deficiência”. 

“O ESG é justamente saber qual o percentual dessas pessoas que vieram de regiões vulneráveis e estão mudando não apenas sua realidade, mas o entorno. O ESG virou a nova inclusão da diversidade e precisa ir além, chegando à incorporação das pessoas. Não adianta apenas achar que incluiu, as empresas têm que incorporar as pessoas.

Estudo do Ciee Nacional mostrou que 80% dos jovens aprendizes contratados por empresas tidas como socialmente responsáveis foram desligados um ano após a contratação porque não sabiam português e matemática e não tinham habilidades emocionais. Então, esse processo não pode ser considerado nem ESG, nem inclusão”, acrescenta Toscano.