Quem me leva

Mulheres Solidárias: voluntariado ajuda pacientes em tratamento de câncer

Muitas vezes abandonadas pelos maridos ou até por temer contar para a família, pacientes recebem acompanhamento em consultas, exames e procedimentos

Por Lucas Morais
Publicado em 24 de agosto de 2023 | 06:00
 
 
Tarciana Alves se desloca quase 60 km para fazer trabalho voluntários com pacientes em tratamento de câncer Lucas Morais/O Tempo

Depois de quase quatro anos acompanhando a irmã no tratamento contra o câncer na Santa Casa de Belo Horizonte, Alessandra Graciele, 42, conviveu com muitas outras histórias difíceis. Muitas vezes, mulheres estavam sozinhas durante procedimentos como a quimioterapia, que, por conta da complexidade, é recomendável que estejam acompanhadas. “Vi a necessidade de poder ajudar com uma palavra de força e de fé”, conta. Esse é o tema do novo episódio da série Quem me Leva, da Mais Conteúdo, de O TEMPO. Ouça abaixo:

 

Desde então, a servidora pública passou a atuar como voluntária da Associação de Prevenção do Câncer na Mulher (Asprecam). Atualmente, a entidade conta com 15 mulheres que atuam no acompanhamento de mulheres que enfrentam a doença em consultas, exames e diversos procedimentos, além de realizarem visitas domiciliares. “Para mim é um sentimento de gratidão poder ajudar de alguma forma essas mulheres que passam por esse processo, que é tão difícil e doloroso”, acrescenta. 

Para participar do projeto, as voluntárias passam por um treinamento na própria entidade, o que ajuda a ter preparo emocional, além de conhecimento sobre a trajetória dessas mulheres que recebem tratamento no SUS -- como os protocolos e até para ajudar a entender melhor os diagnósticos e prognósticos. Com isso, elas podem atuar como acompanhantes caso a paciente não tenha um familiar disponível ou até prefira não ter, inicialmente, o envolvimento dos entes queridos, como ocorre em alguns casos. 

O Estatuto da Pessoa com Câncer ainda garante assistência social e jurídica, além da proteção ao bem-estar pessoal, social e econômico. A legislação também garante que o paciente oncológico conte com a presença de acompanhante durante o atendimento e todo o período de tratamento: é nessa situação que entra uma das principais frentes de atuação da Asprecam.

Com relação ao voluntariado, o último levantamento disponível no país, divulgado no ano passado, aponta que são 57 milhões de voluntários ativos, índice que corresponde a 57% da população adulta -- em 2011, eram 18%, conforme o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS). São pessoas como a Alessandra e a Cláudia que atuam nas mais diversas áreas, como saúde, educação e direitos humanos. 

Histórias de luta, tristeza e alegria

Há quase dez anos, Cláudia Magalhães, que é diretora administrativa da associação, conheceu inúmeras histórias de luta, tristezas e alegrias. Muitas ficaram marcadas para sempre, como a de uma jovem mãe de 26 anos que enfrentou o diagnóstico de câncer de mama enquanto amamentava o terceiro filho. Ela chegou a perceber um nódulo na mama, porém, durante consulta no posto de saúde, o médico descartou qualquer tumor por conta da idade dela. Quando foi descoberto o câncer, já estava em estágio muito avançado.

“Eu percebia que ela sempre chorava muito na hora que conversava com a médica, porque ela tinha uma necessidade grande de respostas que a profissional não tinha para dar. Ela se questionava muito o motivo de acontecer isso, a razão dos medicamentos não surtirem efeito e quanto tempo de vida ela teria”, recorda emocionada. Cláudia ainda acrescenta que tanto a mulher quanto a família nunca estão preparadas para receber um diagnóstico tão difícil quanto o câncer.

Além disso, a dirigente cita que a entidade atua com muitas pacientes em situação de vulnerabilidade social. “São mulheres muitas vezes sozinhas, porque se separaram dos maridos ou são mães solteiras, às vezes viúvas. Acontece também com frequência delas serem abandonadas pelo companheiro ao longo do tratamento, ou mesmo ele estando dentro de casa, não participa mais do processo, não acompanha no hospital e também não quer saber o que elas estão passando”, frisa.

Voluntária entrou no projeto após descobrir câncer

Evelin Baldani, 35, passou a fazer parte do projeto depois que descobriu o câncer de mama. Para a publicitária, uma das principais missões das voluntárias é mostrar que existe vida mesmo durante o tratamento. “Quando recebem o diagnóstico é tanta informação, tantos exames, que elas se sentem perdidas e temos projetos que acompanham diretamente as pacientes, ajuda a marca exame, acompanham em consultas, visitam a casa pra saber se precisam de algo a mais; além do projeto de sala de escuta, onde reúne profissionais da área de psicologia voluntárias para assessorar emocionalmente essas mulheres tão fragilizadas”, enfatiza.

Moradora de Belo Horizonte, Viviane Ramos enfrenta a doença há oito anos, em uma rotina de idas e vindas ao hospital. Apesar de tantas dificuldades, ela ainda ajudava outras mulheres que enfrentavam o tratamento sozinhas. “Eu vou em cirurgias com colegas oncológicas, fico com elas no hospital. Só que aí os médicos chegam e sabem que também sou paciente, e mandam eu voltar para casa. Eu tive uma colega que faleceu no ano passado e sequer sabia o tipo de quimioterapia que estava tomando”, conta. Casos como esses que Viviane presenciou reforçam a importância da presença de um acompanhante ao longo do tratamento.

Amor e muita dedicação

Dedicar o tempo diante de uma rotina já tão intensa. É assim que Tarciana Alves, 37, vê o trabalho voluntário com as mulheres em tratamento de câncer. Ela mora em Juatuba, na região metropolitana de Belo Horizonte, ela se desloca quase 53 km para acompanhar as atendidas pelo projeto. “Aprendo muito com essas mulheres fortes e guerreiras, que todos os dias enfrentam a fila do SUS. Muitas vezes, ainda esperam um tempo longo até a cirurgia, e elas nos ensinam a nos tornamos um ser humano melhor. É começar a se colocar no lugar do outro”, pontua.

Segundo a assistente social, há ainda casos de pacientes que até possuem familiares ou amigos dispostos a acompanhar o tratamento, mas não conseguem por conta dos compromissos do dia a dia. “É um filho que quer muito acompanhar a mãe, só que não consegue por conta do trabalho. Muitas empresas não aceitam a declaração de comparecimento, e essa mulher acaba indo sozinha”, finaliza.

Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelam que Minas Gerais é o segundo estado com maior estimativa de novos casos de câncer de mama no país, a doença que mais afeta as mulheres. Até o fim deste ano, são esperados 78.100 novos diagnósticos, número que só é superado por São Paulo, com 181.340.