“Qual papel cada um desempenha na relação?”

Em nossa vida, a cultura define a forma como reagimos, mesmo no adoecimento. O câncer de mama é um reflexo do quanto precisa evoluir a relação entre homens e mulheres. Qual papel cada um desempenha na relação? 

A fantasia de que existe um amor altruísta no encontro entre o casal fica muito abalada quando a mulher se vê em um enfrentamento do câncer de mama e percebe que se sente envergonhada por não estar apta a exercer o “papel preestabelecido” de satisfazer sexualmente o homem.

Ainda hoje a maioria das mulheres entende que têm essa função nas relações. Algumas estão convictas de que os homens têm necessidades sexuais que elas são obrigadas a atender, senão isso os dá o direito de substituí-las.

Já escutei de uma mulher a seguinte frase: “Meu marido me abandonou, mas não o culpo, eu não era mais mulher”.

Para além de a mama ter uma representatividade forte na sexualidade, na maioria dos casos, tratamento dos tumores de mama tem como protocolo a supressão hormonal.

Esse procedimento coloca, independentemente da idade, as mulheres em uma situação de ausência de hormônios sexuais, como se estivessem na menopausa, além de todos os efeitos colaterais decorrentes desse declínio hormonal, desde a falta de desejo até uma dificuldade na efetivação do ato sexual pela atrofia do epitélio vaginal. 

Para muitas, a despeito do tratamento com cirurgias, quimioterapia e radioterapia ser muito desafiador, essa pode ser a parte mais difícil de se enfrentar.

Muito frequentemente a medicina se envolve em formas de tratar o câncer, mas ainda falta sensibilidade para entender que a mulher que superou um câncer quer renascer para vida, para manter as condições de uma vida sexual saudável. Falta ainda considerar esse quesito como algo que inclusive vai ajudar a mulher a superar suas dificuldades.

Poucas mulheres estão envolvidas com homens que participam generosamente, buscando soluções possíveis para continuar existindo o encontro afetivo. E ainda é difícil para as mulheres se colocarem ativamente nesse processo.

* A médica Meira Souza, especialista em tratamento da dor, escreveu este artigo a pedido da Mais Conteúdo, para a série especial "Quem me Leva", que em duas temporadas de podcasts compartilhou histórias de dor, alegria, dificuldade financeira e superação de pacientes em tratamento oncológico em Minas Gerais.