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HELENICE LAGUARDIA escreve em Economia às segundas. helenice@otempo.com.br

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Boston Metal quer eliminar o CO2 na fabricação do aço

Publicado em: Qui, 11/03/21 - 06h00

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A Boston Metal – com sede em Boston (EUA), e que tem Bill Gates, e a Vale entre outros investidores – pode estar, no futuro, em Minas Gerais. O brasileiro Tadeu Carneiro é o CEO da startup que desenvolve uma nova maneira de transformar o minério de ferro em aço sem usar carvão. A seguir, a entrevista dada por Tadeu Carneiro à coluna Minas S/A.

Conta pra gente primeiro esse desafio de ter comandado uma grande empresa como a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) de nióbio em Araxá, Minas Gerais e a sua experiência nesse mercado? Foi um privilégio muito grande ter trabalhado 40 anos com nióbio sendo 30 anos como funcionário da CBMM, mas sempre ligado à companhia desde a época da faculdade e ao longo desse período foi um prazer enorme o privilégio de ter participado do programa da CBMM que criou tanto valor e criou um protocolo moderno de mineração em vários aspectos: social, ambiental e na relação com o Estado de Minas Gerais. Na criação de novos mercados e qualquer aplicação do nióbio que tivesse seu mérito, nós estávamos vendo e tentando aumentar o mercado a ponto de ter chegado ao que a CBMM é nesses dias. Então para mim foi um privilégio muito bom, um prazer enorme me sinto muito sortudo de ter sido parte dessa gestão.

E agora, qual é o desafio à frente da Boston Metal? É um desafio enorme. Aço é o material de engenharia mais importante do mundo e vai continuar sendo. Nosso planeta é uma bola de ferro que flutua no espaço, não tem jeito. São quase 2 bilhões de toneladas de aço por ano que são feitas todo ano. O segundo metal depois do aço é o alumínio que está na casa dos 100 milhões de toneladas ou até menos do que isso então é o material de engenharia mais importante e vai continuar sendo. O problema é que o aço é fabricado desse jeito que é fabricado por mais de 3.000 anos - é a mistura do minério de ferro com carvão e fabrica-se o gusa primeiro no alto-forno.  Com isso, você emite uma quantidade enorme de CO2 é a fonte estática de maior emissão hoje no planeta é a fabricação de aço, cimento vem logo atrás. Então o que a companhia está fazendo é desenvolver uma nova maneira de transformar o minério de ferro em aço sem usar carvão.  É um desafio enorme,  como eu disse, porque é feito dessa maneira, sempre foi dessa maneira. E para isso ser possível, a macro tendência de existir energia limpa abundante e barata tem que acontecer e é isso que estamos vendo: a geração de energia limpa tomando cada vez mais espaço e permitindo que essas novas tecnologias aconteçam como essa que vai ser muito revolucionária na área do aço.

Com essa tecnologia da Boston Metal, vai ser possível imaginar um mundo sem os fornos de carvão? Nós vamos ter essa eliminação nessa cadeia da transformação do minério de ferro para o aço? Essa é a ideia lá na frente quando a tecnologia tiver amadurecido e implementada não será necessário usar carvão para fabricar aço, essa é a ideia.

Na siderurgia, a gente pode também ter essa eliminação dos alto-fornos que são caríssimos, num investimento altíssimo que as siderúrgicas precisam fazer, ou ela elimina só mesmo a emissão de carbono nessa cadeia do aço? O alto-forno é eliminado. Hoje em dia, 70% do aço do mundo é feito a partir de minério de ferro, 30% são outras fontes, especialmente, refusão de sucata. É a melhor maneira de reciclar, é a maneira mais eficiente, mais limpa que tem. O problema é que você não tem um volume de 2 milhões de toneladas de sucata todo ano para ser refundido. Então você sempre vai precisar, a partir de grandes quantidades do minério de ferro. Então, o minério de ferro tem que ser preparado ou sinterizado ou pelotizado e o carvão também tem que ser preparado no forno de coque. Essas duas coisas são misturadas no alto-forno, aquela coisa alta enorme, de dezenas de metros, e você reage o minério de ferro com o coque e consegue um ferro-gusa a partir do alto-forno. Esse ferro-gusa é transferido em carros-torpedo para a aciaria. Obtendo o aço líquido que sai da aciaria, todo o equipamento que vem desde o minério até o aço líquido é substituído pelas células da Boston Metal. Você enfia o minério de ferro direto na célula e sai dela com o aço líquido de melhor qualidade do que é obtido hoje com toda aquela parafernália até a aciaria. Os alto-fornos serão substituídos, não vai precisar mais deles na medida em que as células eletrolíticas da Boston Metal vão substituir toda a parte desde o minério até o aço líquido da aciaria.   

Essas células se movem por qual energia já que não teremos o carvão? É pela energia elétrica. São células que têm uma casca de aço com refratários dentro, com furos de vazamento, e tem o anodo que vai fechar o circuito para que a eletricidade passe. Em vez de usar carbono para transformar o óxido de ferro do minério de ferro em aço, os elétrons é que vão fazer isso. Em vez de emitir CO2 vai emitir oxigênio. Se a eletricidade usada for limpa é um processo que leva a emissão de carvão para zero.

Quais são os investimentos necessários, quem está bancando esse projeto de inovação da Boston Metal? Nós tivemos duas rodadas de financiamento maiores até agora. A companhia foi fundada e começou com um primeiro investidor privado que foi o brasileiro Ingo Wender. Ele fundou a companhia junto com os professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT). E nos primeiros anos da companhia eles estavam testando a tecnologia para entender como que seria possível sair do laboratório para uma planta piloto e qual seria o melhor sistema metálico para explorar. Quando eu me juntei à companhia, no começo de 2017, nós fizemos a aposta de levar tecnologia para o aço e para as ferro-ligas porque é o maior desafio eliminar a emissão de CO2 na fabricação de aço. A primeira rodada de investimentos trouxe  quatro investidores: o fundo comandado por Bill Gates que se chama Breakthrough Energy Ventures, composto de uma série de outros bilionários que se juntaram ao Bill Gates para fazer esse fundo de longo prazo que tem como mandato reduzir emissões de gases de efeito estufa. Junto com eles, naquela época, veio o fundo do MIT que se chama The Engine; outro fundo da costa oeste dos Estados Unidos da família Simons (Nat e Laura Simons) que se chama Prelude Ventures; e um consórcio das 13 maiores companhias de óleo e gás do mundo chamado OGCI. Aí, esses quatro foram os que se juntaram ao projeto no final de 2018. Agora nós fizemos a segunda rodada de investimento e nós conseguimos além dos quatro, que continuaram apoiando e investiram a mesma quantidade nessa segunda rodada, nós trouxemos outros cinco investidores de peso. Dentre eles, tem a Vale junto com a BHP Billiton são dois maiores fornecedores de minério de ferro do mundo. Além deles, tem o fundo Fidelity, um outro fundo chamado Piva - que é um fundo que tem recursos da Petronas, da Malásia - e um outro consórcio de fornecedores de energia elétrica chamado Energy Impact Partners. Temos nove acionistas de peso dando suporte para essa tecnologia e entre todas as rodadas de investimento, até agora, levantamos próximo de US$ 100 milhões.

Com a entrada da mineradora Vale, a gente pode imaginar instalações da Boston Metal em Minas Gerais, onde a Vale tem importantes operações? Esse é o maior dos meus sonhos. Na medida em que você tenha eletricidade, você pode trazer essa tecnologia para a mina e, ao invés de enviar minério de ferro, você pode enviar um produto metálico. As companhias fornecedoras de minério de ferro têm projetos para desenvolver algo desse tipo. A Vale mesmo investe em outras tecnologias possíveis. A Vale é a que está melhor posicionada para isso porque é a que tem o minério mais rico de todas, que tem o maior teor de ferro. Então, outras tecnologias que podem ser usadas precisam de minérios ricos e a nossa tecnologia não. Então, foi isso que chamou a atenção dos fornecedores de minério de ferro porque parte do material que é necessário na célula que vai fabricar o aço é, no final das contas, a ganga que tem no minério. Então, minérios mais pobres podem ter o valor recuperado no nosso processo. Desde que a gente tenha eletricidade no local em que você quer instalar uma produção de aço, você você pode instalar. Portanto, instalar uma produção em Minas Gerais, próximo de uma mina da Vale, é um sonho muito possível, e eu espero realizar nos próximos anos, com certeza.

A Boston Metal ainda precisa de mais recursos para estar operando com 100% da sua capacidade de produção? A tecnologia não está completamente desenvolvida.Nossa próxima etapa é fazer a planta piloto que nós temos aqui próximo de Boston, nos Estados Unidos, operando continuamente com essa tecnologia que nós desenvolvemos e o minério da vida real, minério que vem sem qualquer tratamento, e nesse caso, será das minas da Vale e da BHP Billiton. Uma vez que a gente consiga isso, nós esperamos que a gente atinja essa meta antes do final de 2022, e ter nosso piloto funcionando continuamente. A partir daí, e mais dois anos 2024/2025, estaríamos comissionando a primeira planta industrial de demonstração. A partir daí, é só instalar onde você tem as condições e onde você atinge praticamente o estágio de comercialização.  Então, a próxima meta é 2022, e comercialização a partir de 2024/2025.

Qual foi a justificativa, a alegação de Bill Gates para participar de um projeto desses como o da Boston Metal? Bill Gates acabou de lançar o livro “Como Evitar um Desastre Climático”. Ele explica bem que nós temos que lembrar de dois números: o número 51 e o número zero: 51 é o número de bilhões de toneladas de gás de efeito estufa que são emitidos todo ano no planeta e 0 para onde tem que ir; então tem que sair de 51 para 0 e não tem jeito porque uma vez que você emite, fica na atmosfera por milhares de anos e causa esse desastre climático que nós estamos vendo aí e só vai se exacerbar. Então, Bill Gates resolveu juntar recursos e montar esse fundo para dar suporte e financiar empreendimentos que resultem em eliminação de pelo menos 500 milhões de toneladas de CO2 que é o caso da Boston Metal. A fabricação de aço é responsável por 8% ou um pouco mais de todo o CO2 emitido no planeta então são mais de 3 bilhões de toneladas todo ano de CO2 por causa da fabricação de aço. Essa é a fundamentação e foi isso que fez ele ser o primeiro investidor da companhia. Eliminar a emissão de CO2 na fabricação de aço é um dos desafios mais complicados que existe e então você precisa de recursos de longo prazo e volume de recursos grande e de gente com essa vontade de ver a mudança acontecer. Não acontece da noite para o dia e com pouco recurso. São 40 companhias dentro do fundo do Bill Gates e nós, da Boston Metal, somos uma delas.

A gente pode esperar geração de mais empregos por essa startup? Hoje somos um grupo de 50 pessoas e com essa nova rodada de financiamento nós vamos crescer para quase 100, com 90 e poucos funcionários. Essa tecnologia vai gerar empregos de qualidade aonde quer que a tecnologia seja implementada.

As células terão toda a produção em Boston, nos Estados Unidos, na sede da Boston Metal? Sim. Nós estamos fazendo por aqui mas poderá ser feito em outros lugares. A parte do anodo metálico, nós devemos fabricar por aqui. Como  modelo de negócio é uma das opções que nós estamos seguindo e ajudaria a proteger a propriedade intelectual para proteger o processo. Mas as células em si, tirando o anodo, poderão ser fabricadas em qualquer lugar. Nós não vemos a Boston Metal se tornando uma empresa de fabricação de aço para competir com as empresas de aço. A gente vê a Boston Metal licenciando a tecnologia para essas empresas assim como licenciando tecnologia para quem fabrica os equipamentos para as empresas de aço. Ela é centrada em pesquisa e desenvolvimento para desenvolver o processo e licenciar para quem esteja interessado em usar. Talvez o anodo inerte a gente deverá ser o fabricante e fornecedor do componente.

E aí a gente pode esperar uma capilaridade da Boston Metal para fornecer para outros clientes além dos sócios, pode ter uma nova entrada de participantes ou não? Hoje, dentre os sócios, não tem nenhum fabricante de aço ainda, e esse é o mercado da Boston Metal. Mas vários deles já nos procuraram, estão em contato querendo ser o primeiro a montar a célula industrial quando for o caso. Então já existem seis ou sete opções para a fabricação da primeira célula industrial e implementação da primeira célula Industrial, isso só nas empresas que fabricam aço. Naturalmente, Vale e BHP Billiton deverão também ser as pioneiras fabricando um produto metálico para vender para quem fabrica aço, então isso é outra possibilidade de mercado também. Além disso, tem um outro aspecto dessa tecnologia que é muito importante e que é modular. Se você quiser aumentar a capacidade, coloca mais células. Hoje em dia, você vai falar com quem fabrica aço,  vai dizer que não existe nada mais competitivo e mais eficiente do que o alto-forno para fabricar aço. Mas o módulo mais econômico hoje em dia tem que ser de 3 a 4 milhões de toneladas de aço. Não fabrica um alto-forno hoje para menos do que isso e além do que em algumas geografias não vai poder mais fabricar alto-forno por causa das emissões de CO2. Então, com o nosso processo, você não precisa fazer 4 milhões ou 5 milhões se você não quiser, você faz quantos milhões de toneladas quiser, porque é modular, você só aumenta o número de células. Para ter uma ideia,  para 1 milhão de toneladas, você vai precisar de umas 300 células, então é uma maneira importante de revolucionar a indústria e a maneira como se fabrica aço e onde estão as unidades para a fabricação do aço.

Quando você tiver novidades conta para gente com certeza daqui a pouco tem aí novas operações eu espero a empresa em Minas Gerais. Nós estamos trabalhando em ferro-liga com a CBMM que está muito interessada na tecnologia para fabricação de ferro-ligas então, sem dúvida, Minas Gerais sempre foi e sempre será prioridade. Eu sou quase mineiro, Cidadão Honorário de Araxá, e nasci numa cidade perto da fronteira com Minas Gerais (São José do Rio Preto, em São Paulo), então acho que pelo menos quase mineiro sou.

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