Após fala de Mujica

Esquerda latina começa a rever apoio a Nicolás Maduro

Embora defendam a soberania da Venezuela e se neguem a classificar seu governo como ditatorial, dirigentes da esquerda brasileira evitaram polemizar com Mujica

Por Folhapress
Publicado em 29 de julho de 2019 | 22:59
 
 
O governo de Nicolás Maduro sofreu nova derrota na Justiça britânica em caso do ouro Divulgação

O fato de o ex-presidente uruguaio José "Pepe" Mujica e o candidato de sua coalizão, a esquerdista Frente Ampla, Daniel Martínez, terem declarado que a Venezuela é uma ditadura é bom para a região no sentido de que fortalecem as posições tanto do Grupo de Lima como do Mercosul.

Quanto ao segundo, os documentos finais dos últimos encontros foram brandos com relação ao regime de Nicolás Maduro porque o atual presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, admitia a situação difícil do país -falando em crise humanitária mas nunca em ditadura-, mas considerava que qualquer crítica acima disso seria uma ingerência.
A Frente Ampla é uma coalizão de partidos de esquerda.

O grupo de Vázquez tem visão mais anti-Maduro; porém, é minoria no Congresso. Para ter apoio interno e governabilidade, teve de baixar as críticas a Maduro porque o bloco liderado por Mujica, o dos ex-Tupamaros, era fiel apoiador do regime venezuelano.

Isso mudou a partir das declarações de Mujica e de Martínez, ex-prefeito de Montevidéu considerado mais moderado. Ainda assim, é preciso levar em conta que Martínez está em campanha, e lidera as pesquisas para a eleição de 27 de outubro.

Não há como imaginar que as declarações não visem também a interesses de campanha –apoiar uma ditadura seria prejudicial nas urnas.

Fora do Uruguai, as principais lideranças de esquerda da América Latina há tempos vêm desembarcando do apoio a Maduro, a começar pela vizinha Colômbia.

Gustavo Petro, ex-guerrilheiro que perdeu as eleições de 2018 para o centro-direitista Iván Duque, foi aliado de Hugo Chávez (1954-2013) e no começo do ano criticou a tentativa de "ingerência dos EUA" nos assuntos da Venezuela.

Cobrado por isso, porém, respondeu: "Não apoio Maduro, não creio em revoluções sustentadas pela matéria-prima cujo uso intensivo pode matar a vida do planeta. Sou um democrata".

A partir de então, envolveu-se em um debate agressivo pelas redes sociais com o homem-forte do chavismo, Diosdado Cabello, que o acusou de haver pedido dinheiro para campanha ao regime Maduro e depois ter virado de lado.

Sergio Fajardo, centrista colombiano com discurso mais à esquerda, disse em discurso recente que "Maduro está dando uma lição sobre como destruir uma sociedade".

Entre os colombianos, o único setor da esquerda a apoiar Maduro é minoritário. Trata-se da Farc (Força Alternativa Revolucionária do Comum), partido da antiga guerrilha. A sigla mandou dois representantes à última reunião do Foro de São Paulo, em Caracas.
A Colômbia também terá eleições regionais neste ano.

A posição de Evo Morales, presidente da Bolívia que também busca a reeleição em outubro, continua alinhada a Maduro. Nas últimas reuniões do Mercosul, das quais participa não como Estado membro, tratou do tema demonstrando preocupação com a crise humanitária, mas sustentando que os problemas da Venezuela têm de ser resolvido pelos venezuelanos.

À Folha de S.Paulo seu vice, García Linera, disse: "Sabemos que é complicado, mas apoiar que outros países decidam o destino de um país abre um precedente terrível para a região e para o mundo".
Evo não foi à reunião do Foro, mas seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo), mandou representantes. A Bolívia, ao lado de Nicarágua e Cuba, continua sendo o eixo de apoio de Maduro na região.

O Equador saiu de uma espécie de posição neutra, apesar de ser governado pela esquerda, e passou a integrar como observador o Grupo de Lima. Além disso, passou a exigir vistos dos venezuelanos que migram para este país.

Já o México, do presidente esquerdista Andrés Manuel López Obrador, que não reconhece o oposicionista Juan Guaidó como presidente interino, também usa o argumento da soberania venezuelana.

Na Argentina, os signos parecem, sim, terem se invertido. Antes apoiador de Maduro, o kirchnerismo de Néstor (2003-2007) e Cristina (2007-2015) hoje tem se afastado do discurso de Maduro.
Curiosamente, Alberto Fernández e Cristina Kirchner, oposição à candidatura governista de Mauricio Macri, tem usado o chavismo como contraexemplo.

Em evento na semana passada, Cristina disse: "Macri dizia [em 2015] que, se ele não fosse eleito, a Argentina viraria a Venezuela, mas estamos virando a Venezuela agora, com ele", referindo-se à alta inflação do país.

Embora defendam a soberania da Venezuela e se neguem a classificar seu governo como ditatorial, dirigentes da esquerda brasileira evitaram polemizar com Mujica.

Presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), por exemplo, não se manifestou sobre a declaração do ex-presidente do Uruguai.

Em mensagem divulgada na semana passada, Gleisi afirmou que o PT defende a autodeterminação do povo venezuelano, o fim da ingerência dos EUA e dos bloqueios econômicos ao país, além de pregar o apoio às negociações promovidos pela Noruega.

Ministro das Relações Exteriores e da Defesa nos governospetistas, Celso Amorim afirmou que Pepe Mujica merece seu integral respeito.

"Suas opiniões têm que ser seriamente consideradas por todos os verdadeiros democratas, entre os quais me incluo", disse Amorim. "Noto que Mujica também disse que cabe aos venezuelanos resolver seus problemas. Concordo integralmente."

Mesmo sem querer melindrar Mujica, petistas e dirigentes do PC do B chamam sua manifestação de imprudente e inadequada. O deputado Orlando Silva (PC do B-SP) afirma que Mujica é uma reserva moral da esquerda mundial. Mas ressalva: "No momento em que a Venezuela está sob forte cerco, não é prudente se juntar aos críticos".

Fala de Mujica é outro prego no caixão do regime, afirma Guaidó
"O fato de Mujica ter declarado que a Venezuela é uma ditadura é um prego a mais no caixão do regime", disse o líder opositor Juan Guaidó à Folha nesta segunda (29).

Ao fazer um breve balanço dos últimos seis meses desde que se declarou presidente interino da Venezuela, Guaidó disse que "o principal do período é o apoio internacional que a cada dia vai ganhando mais personagens políticos importantes; Mujica é um deles". Mais de 50 países, incluindo EUA e Brasil, reconhecem o opositor como líder legítimo do país.