Situação irregular

Medo constante das pessoas em situação irregular nos EUA se soma ao coronavírus

A principal preocupação deles é a nova regra migratória da "cobrança pública", que leva em consideração aspectos como o estado de saúde para conceder um visto ou uma moradia permanente

Sex, 20/03/20 - 11h05
Diversos países adotaram medidas para evitar surto de coronavírus | Foto: NICOLAS ASFOURI / AFP

James não pode se dar ao luxo de ficar em quarentena: perdeu seu emprego de garçom em um restaurante de Los Angeles e está há duas semanas de ficar sem dinheiro para comida e aluguel.

Os programas de assistência social promovidos pelo governo dos EUA para enfrentar a crise econômica causada pela COVID-19 não são uma opção para este colombiano de 30 anos, que não possui permissão legal para trabalhar.

James não é seu nome de fato, é o que aparece em seu seguro social falso com o qual, como muitos imigrantes em situação irregular, consegue trabalhos que pagam pouco e por hora.

"Preciso buscar uma forma para pelo menos cobrir o aluguel e alimentação, com essa situação conseguir um trabalho é complicado", afirmou à AFP este homem que ganhava 400 dólares semanais, "o necessário" para viver.

Os sem-documentos nos Estados Unidos sempre viveram sob grande ansiedade, principalmente desde a chegada ao poder do presidente Donald Trump, que fez da bandeira de seu governo a luta contra a imigração ilegal.

E agora se soma à pandemia, que matou nos Estados Unidos 150 pessoas de 10.442 casos relatados, e já anuncia efeitos catastróficos na economia.

- Medo de Trump -

Posso ir ao hospital sem seguro? Corro risco de deportação? Se usar os serviços do governo, um futuro pedido de moradia pode ser prejudicado?

Essas são algumas das muitas perguntas que Luz Gallegos, da organização pró-imigrantes TODEC recebeu, quando fizeram uma clínica legal em Perris, comunidade rural ao norte de Los Angeles, no fim de semana passado.

"A COVID-19 é um estresse adicional para a comunidade", afirmou Gallegos. "É uma comunidade que não confia no governo".

Em TODEC a mensagem é "a saúde em primeiro lugar", mas isso não acalma o estresse.

A principal preocupação, explicou Gallegos, é a nova regra migratória da "cobrança pública", que leva em consideração aspectos como o estado de saúde para conceder um visto ou uma moradia permanente.

O escritório de imigração dos Estados Unidos declarou que os imigrantes submetidos a exames médicos para detectar o coronavírus, ou que recebam tratamento para a doença, não serão penalizados ao solicitar a naturalização ou qualquer outro benefício migratório sob o novo protocolo.

A polícia migratória ICE também anunciou que suspenderia "temporariamente" pela crise as prisões e expulsões de imigrantes sem documentos.

E na Califórnia, por lei, os uniformizados estatais cooperam pouco com as entidades federais nas prisões e deportações de indocumentados.

"Mas ainda assim existe medo e insegurança porque o governo Trump muda constantemente como aplicará a política", afirmou Gallegos à AFP.

- "Começar de novo" -

Estados Unidos adotou um plano de assistência social de cerca de 100 bilhões de dólares, destinado aos trabalhadores diretamente afetados pelas consequências do coronavírus. O plano prevê licenças pagas para funcionários que ficarem doentes e um acesso mais fácil ao seguro desemprego e aos benefícios alimentícios.

No entanto, para os 11 milhões de indocumentados, em sua maioria latinos, esses benefícios parecem inalcançáveis.

"Quando nos avisaram que não havia mais trabalho, enviaram um link para aplicar a ajuda do governo" da Califórnia, lembra James. "Mas li que era para cidadãos ou para quem tenha seu seguro social completamente legal".

Das 15 pessoas que trabalhavam no restaurante japonês com James, a metade não possui documentos.

"Penso que a situação ficará mais difícil por volta de 15 dias, um mês, quando não tiver o suficiente para o aluguel, as obrigações", lamentou o jovem, que paga 580 dólares por uma moradia.

Sua opção imediata é começar a trabalhar como entregador de comida com um carro velho que conseguiu comprar há duas semanas, antes de descobrir a crise.

"Depois de dois anos neste país, estava em um momento em que sentia estar decolando, me organizando e aí vem isso do coronavírus", lamenta. "Quase tenho que começar de novo".

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