DIPLOMACIA

Movimentação chinesa pode ajudar a conter guerra entre Rússia e Ucrânia? Entenda

Boa relação do governo chinês com os russos e o envio de solidariedade a Kiev pode ajudar nas negociações, segundo especialistas

Ter, 01/03/22 - 20h21
Ucrânia nega publicamente participação no ataque da fronteira om a Rússia | Foto: SERGEY BOBOK / AFP

A possibilidade da China adotar esforços para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia pode indicar um caminho para cessar os ataques que ocorrem desde a última semana no leste europeu. O intuito vindo de Pequim pode reforçar o posicionamento do país frente ao sistema internacional. Por outro lado, impactos negativos podem decair sobre outras nações, como os Estados Unidos.   

Nesta terça-feira, o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, ligou para o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, sinalizando uma mudança no posicionamento chinês. O país é aliado a Vladimir Putin, mas se mantém neutro frente ao conflito.

De acordo com o professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Evandro Menezes de Carvalho a sinalização vinda da China é um dos caminhos existentes para uma solução pacífica do conflito. 

O cenário se reforça com a abertura de negociações, por vias diplomáticas, por Rússia e Ucrânia e pela dificuldade de intervenção por países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

“Um estado mediador seria um país de confiança dos dois lados e que se coloca, como facilitador, ou para receber russos e ucranianos em um campo neutro de negociação para se chegar a um acordo”, analisa Evandro, que também coordena o Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV.

Na conversa entre os representantes dos governos da China e Ucrânia nesta terça-feira, não houve qualquer crítica por parte de Wang Yi à ofensiva militar da Rússia ou ao presidente Vladimir Putin.

Entretanto, o chinês expressou solidariedade a Kiev. Conforme o especialista, a posição que pode ser ocupada pela China, ou outro país, depende também dos esforços de Rússia e Ucrânia. 

“O que lamento ao observar é que a negociação não parece se encaminhar para um desfecho tão cedo. É preocupante ver que ninguém está cedendo, mas sim em levar o conflito até as últimas consequências”, lamentou Carvalho.

Se por um lado há um indício de tentativa da China em ajudar a resolver pacificamente o conflito, a entrada de outros países pode agravar a situação na Ucrânia. 

Mario Schettino Valente, professor de Relações Internacionais do Ibmec e do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, explica que os estados membros da Otan já apoiam o governo de Volodymyr Zelensky  com financiamentos e ajuda logística.

Contudo, o envio de  apoio militar só deve ser visto em caso de intensificação da atuação das tropas russas. “Depende da magnitude da violência empregada pela Rússia, à medida que a Ucrânia consegue resistir às investidas. Torço para que as coisas se resolvam antes que os níveis de violência aumentem”, diz o docente. 

Enfraquecimento de Putin 

Em meio às movimentações para interromper a guerra na Ucrânia, as sanções financeiras seguem sendo aplicadas por diversos países da Europa contra a Rússia e gerando impactos à economia do país. O rublo, moeda local, perdeu valor e registrou queda histórica frente ao dólar, elevando também a taxa de juros. 

Os preços do milho e do trigo bateram recordes no fechamento dos mercados europeus nesta terça-feira, situando-se, respectivamente, em US$ 389,63 e US$ 377 a tonelada para entrega neste mês. As duas commodities tem grande representatidade na região do conflito. 

“As sanções aplicadas até aqui são sem precedentes na história, como a suspensão da Rússia ao Swift, por exemplo. É um mecanismo de transação internacional entre mais de 11 mil bancos”, analisa Mario Schettino. 

Segundo o professor, a situação impacta a vida dos cidadãos que já promovem uma corrida aos bancos russos para retirar quantias armazenadas nas instituições financeiras.

“O cenário certamente gera um desconforto, mas Putin está no poder há muito tempo e tem capacidade de sobrevivência política muito grande após quase duas décadas de governo”, frisa. 

Joe Biden vulnerável 

Figura presente nos holofotes desde o início do conflito entre Rússia e Ucrânia, tendo em vista os interesses dos Estados Unidos na expansão da Otan, o presidente Joe Biden pode sofrer impactos políticos.

O primeiro sinal da vulnerabilidade que a guerra pode trazer à Casa Branca será nas eleições de meio mandato, marcadas para novembro deste ano. O pleito é para renovação das cadeiras do legislativo norteamericano. 

“A imagem de Biden já vem se degradando desde a crise do Afeganistão ano passado, e a aprovação caiu quando começaram as tensões na Ucrânia em janeiro”, explica o professor Mário Schettino.

Um dos motivos ligados às críticas dos estadunidenses a Biden está no posicionamento frente à guerra no leste europeu. “O partido democrata (o qual pertence o presidente) tem um problema eleitoral histórico, que é não ser percebido pela população como o mais adequado para lidar com questões de segurança. O eleitorado independente, que define a eleição, percebe o partido republicando como o mais adequado”, assinala o especialista. 

E o Brasil? 

Em postura neutra na avaliação da guerra entre Rússia e Ucrânia, a política internacional brasileira fica ainda mais prejudicada. Na avaliação do professor Evandro Menezes, o país acertou a votar no conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a invasão russa à Ucrânia.

“Esse voto é o que vale no direito internacional, mas a postura do presidente (Jair Bolsonaro) é claramente vacilante. Putin está consciente da violação de direitos e o Brasil vai se esquivar disso?”,questiona. 

Bolsonaro, no final de semana, não condenou o ataque da Rússia, mesmo com queixas do governo ucraniano, por relações comerciais com o governo de Vladimir Putin.

"A situação evidencia que o Brasil está se atrapalhando. É um movimento que depõe contra a boa tradição da diplomacia brasileira. A imagem do país internacional está sendo destruída muito rapidamente”, acrescenta. 

Com Folhapress

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