Mídias

Musk x Moraes: veja como é a regulação das redes sociais pelo mundo

Enquanto tema é discutido no país, Europa impõe série de obrigações a empresas para resguardar cidadãos; EUA pregam 'liberdade de expressão'

Por Shirley Pacelli
Publicado em 13 de abril de 2024 | 10:00
 
 
Novo logo do X, antigo Twitter Foto: Alain Jocard/AFP

O embate entre o bilionário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acabou reacendendo o debate sobre a regulação das redes sociais no Brasil. Musk, que é dono do X, antigo Twitter, ameaçou descumprir decisões judiciais brasileiras de bloqueio de perfis criminosos no site e a história vem ganhando novos capítulos diariamente. 

Tamanha relevância das mídias sociais, que podem ser utilizadas por diferentes grupos para disseminar informações falsas ou discurso de ódio, influenciar no resultado de eleições e até desestabilizar a democracia, têm levado diversas nações a criarem leis para regular o seu uso. Outras, temem pela censura e pregam a liberdade de expressão dos usuários. 

Segundo Filipe Medon, professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), a Europa tem uma tendência maior pela regulação das redes sociais em comparação, por exemplo, ao contexto norte-americano, berço das maiores big techs, e que foge da responsabilização das empresas em relação ao conteúdo publicado. “A gente tem visto uma regulação bastante abrangente, especialmente com as recentes aprovações da Lei de Serviços Digitais Digital (DSA na sigla em inglês) e a Lei dos Mercados Digitais (DMA em inglês) no âmbito da União Europeia”, explica. 

Ele detalha que essas duas leis europeias tem uma repercussão significativa, porque buscam regular, especialmente, as figuras consideradas “gatekeepers”, que são aquelas que controlam o acesso dos usuários a diferentes serviços, como mapas, motores de busca, aplicativo de troca de mensagens etc. Alphabet (Google), Amazon, Apple, ByteDance (TikTok), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e Microsoft ganharam esse título no território europeu. 

O advogado explica que, a essas empresas, são impostas uma série de obrigações para garantir maior proteção a grupos vulneráveis, como as crianças, assegurar o comércio eletrônico e tornar mais transparente a moderação de conteúdo. Este último quesito, segundo ele, é bastante relevante, já que “essas leis acabam tendo uma relação muito direta com as de proteção de dados”, explica. 

Além de toda a regulamentação da operação das big techs, cada país europeu acaba ainda legislando sobre temas específicos. O advogado lembra que a França aprovou, nos últimos anos, uma legislação bastante importante em relação a crianças e adolescentes e redes sociais. 

Em fevereiro deste ano, a prática de “sharenting”, o compartilhamento de fotos dos filhos na internet, foi proibida no país francês, num projeto de autoria do deputado Bruno Studer. Há ainda uma lei específica sobre os influenciadores digitais mirins. O objetivo é proteger a privacidade das crianças enquanto elas ainda não podem decidir sobre essa exposição. 

O advogado avalia que muitos países estão tentando uma regulação a nível comunitário para facilitar a uniformização por parte das empresas, já que elas operam em diferentes localidades. Mas ele pondera que, mesmo assim, muitas nações acabam fazendo legislações próprias, atentas às necessidades locais. Segundo ele, a princípio, as empresas têm respeitado as determinações, especialmente porque, em caso de descumprimento, há multas e sanções bastante expressivas.

Lei da Fake news é engavetada

Na quarta-feira (10/4), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, engavetou o PL 2630, de 2020, que ficou conhecido como a Lei das Fake News, por conta das últimas polêmicas decorrentes da polarização e revelou que criará um novo grupo de trabalho para discutir a regulação das redes. 

O advogado da FGV-Rio observa que a proposta, que perdeu força no Brasil, tinha como uma das questões centrais a discussão sobre a obrigatoriedade ou não das plataformas em realizar o monitoramento daquilo que é compartilhado pelos usuários. “Hoje é difícil cravar e dizer qual é a proposta brasileira de regulação [das redes sociais]. O que nós temos é o Marco Civil da Internet, mas aí ele regula a internet. Não é uma regulação voltada para as plataformas, embora, claro, imponha uma ou outra medida”, destaca Medon. Segundo ele, ainda existem muitas lacunas a preencher sobre o tema.

Na opinião do advogado, é importante regular as redes sociais no país. “Não é necessariamente censura, como alguns sustentam. Muito pelo contrário, a regulação passa pelo estabelecimento de critérios previsíveis e seguros para a operação delas, o que beneficia não apenas as empresas, mas principalmente os usuários, que passam a ter clareza em relação àquilo que pode ou não ser feito e quais as consequências pela eventual violação à legislação”, explica. 

A questão do Elon Musk, segundo ele, que envolve a suspensão de contas, poderia ser facilmente resolvida por uma legislação específica. “A questão da responsabilidade civil nós precisamos avançar. O Marco Civil da internet já não dá mais conta da complexidade do fenômeno. Então, me parece que diante da ausência de uma regulação, o Supremo Tribunal Federal parece estar preenchendo essa lacuna”, diz.

Assim como STF, o advogado lembra que outros órgãos acabaram legislando sobre o tema. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo, regulou as redes sociais no contexto das eleições. O ministro Edson Fachin, do STF, por sua vez, voltou a discutir temas como o bloqueio nacional do WhatsApp e a discussão constitucional sobre a necessidade de ordem judicial prévia para a exclusão de conteúdo, além da responsabilização civil de provedores e apps por danos a terceiros. 

Veja como é a regulação das redes sociais nos outros países: 

  • ESTADOS UNIDOS

A legislação das redes sociais nos Estados Unidos, casa de empresas como Meta e Google, focam na defesa da liberdade de expressão. Há pouca responsabilização das empresas sobre os conteúdos compartilhados, que, na visão das autoridades norte-americanas, é de terceiros.  

Grande parte das decisões se baseiam na seção 230, da Lei de Decência nas Comunicações, de 1996, que prega a isenção do Estado sobre as atividades das empresas. Segundo essa premissa, as big techs são livres para moderar o conteúdo a partir de regras próprias, sem intervenção ou penalidades. A lei resguarda a atuação dessas empresas. 

Desde 2021, após a invasão do Capitólio, e com a escala do discurso de ódio, a necessidade de atualizar a legislação vem sendo questionada, inclusive, pelos próprios CEOs das big techs, como Mark Zuckerberg, presidente da Meta.  

  • EUROPA

Existem duas leis que valem para 27 países. A primeira, em vigor desde o ano passado, é a Lei de Serviços Digitais (DSA), que trata da disseminação de conteúdo ilegal e nocivo na internet. Grandes plataformas têm que ser transparentes sobre seus algoritmos e fazer relatórios de impacto de direitos humanos e de riscos em geral.

Já a Lei dos Mercados Digitais (DMA, na sigla em inglês) entrou em vigor em março deste ano para regular as atividades dos gigantes tecnológicos e tornar o ambiente mais competitivo.

Todas as empresas com mais de 45 milhões de usuários devem seguir as normas. Cinco empresas americanas Apple, Alphabet (Google), Amazon, Meta (Facebook e Instagram) e Microsoft e a chinesa ByteDance (TikTok) entram nessa lista. Caso as companhias descumpram as regras, a Comissão Europeia pode definir multas de até 10% do faturamento anual ou penalidades que chegam a 20% em caso de reincidência. 

A Apple, por exemplo, foi multada em 1,8 bilhão de euros (R$ 9,6 bi) por impedir que os usuários de seus sistemas de distribuição de música online sejam informados de alternativas mais econômicas. 

As legislações valem na Áustria, Alemanha, Bélgica, Bulgária, Croácia, Chipre, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, República Checa, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha  e Suécia.

 

  • ORIENTE 

Países como China e Rússia fazem o estilo “linha dura” em relação às redes sociais.Os serviços mais populares do mundo, como Twitter, Instagram, WhatsApp e Facebook são bloqueados em território chinês e os moradores usam versões locais dos apps, sob o controle das autoridades. O TikTok, por exemplo, é uma versão ocidental do Douyin chinês. 

O Estado modera fortemente o que é postado pelos cidadãos, que são desencorajados a postarem críticas ao governo, sendo recorrente a denúncia de censura. 

Na Rússia, a agência Roskomnadzor atua como reguladora de mídias e determina quais apps podem funcionar.