Gesto histórico

Presidente dos EUA reconhece genocídio armênio

Ato gera reação dos aliados turcos, responsabilizados por 1,5 milhão de mortes no período do Império Otomano

Por France Press
Publicado em 24 de abril de 2021 | 14:41
 
 
Armênios participam de ato em Erevan, lembrando as mortes de 1,5 milhão de pessoas iniciadas há 106 anos Foto: KAREN MINASYAN AFP

Whasington, EUA. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reconheceu neste sábado (24) o genocídio armênio, tornando-se o primeiro presidente dos Estados Unidos a qualificar assim a morte de 1,5 milhão de armênios massacrados pelo Império Otomano a partir de 1915. 

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan reagiu imediatamente denunciando "a politização por terceiros" deste debate.

A Turquia "não tem nenhuma lição a receber de ninguém sobre sua história", declarou por sua vez o ministro das Relações Exteriores turco, Mevlut Cavusoglu.

Já o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, considerou que o reconhecimento do genocídio por Biden representa um "grande passo", no 106º aniversário dos massacres entre 1915 e 1917 pelo Império Otomano.

Em uma mensagem em sua conta no Facebook, Pashinyan agradeceu Biden "pelo grande passo em direção à justiça e o apoio inestimável aos descendentes das vítimas do genocídio armênio".

O genocídio armênio é reconhecido por mais de vinte países e muitos historiadores, mas é vigorosamente contestado pela Turquia.

"Os norte-americanos honram todos os armênios que morreram no genocídio que começou há 106 anos", escreveu Joe Biden em um comunicado.

"Estamos afirmando a história. Não estamos fazendo isso para atacar ninguém, mas para garantir que o que aconteceu nunca se repita", acrescentou.

O presidente democrata, que havia prometido durante sua campanha eleitoral tomar a iniciativa nesta questão, informou na sexta-feira seu colega turco sobre sua decisão durante uma conversa por telefone.

Os dois líderes concordaram em se reunir em junho, à margem da cúpula da Otan em Bruxelas.

Ao telefone com o presidente turco, o inquilino da Casa Branca manifestou o desejo de construir uma "relação bilateral construtiva", segundo o breve relatório americano que evoca a necessidade de uma "gestão eficaz dos desacordos".

"Honrar as vítimas"

Trata-se de "honrar as vítimas, não atacar ninguém", insistiu uma autoridade norte-americana, que pediu anonimato. "Continuamos a considerar a Turquia como um aliado crucial dentro da Otan", acrescentou.

Sem citar os Estados Unidos, o presidente turco enviou uma advertência velada a Washington na quinta-feira. 

Durante um encontro com conselheiros, ele alertou que continuará a "defender a verdade contra aqueles que apoiam a mentira do chamado 'genocídio armênio' (...) para fins políticos".

Apesar de anos de pressão da comunidade armênia nos Estados Unidos, nenhum presidente norte-americano havia ousado irritar Ancara. 

O Congresso dos Estados Unidos reconheceu o genocídio armênio em dezembro de 2019 em uma votação simbólica, mas o presidente Donald Trump, que tinha um relacionamento bastante próximo com Erdogan, se recusou a usar tal palavra, falando apenas de "uma das piores atrocidades em massa do século XX".

Os armênios estimam que 1,5 milhão dos seus foram sistematicamente mortos durante a Primeira Guerra Mundial por tropas do Império Otomano, então aliado da Alemanha e da Áustria-Hungria. Eles recordam esse genocídio todos os anos em 24 de abril.

A Turquia, resultante do desmantelamento do Império Otomano em 1920, reconhece massacres, mas rejeita o termo genocídio, evocando uma guerra civil na Anatolia, associada a uma fome, na qual entre 300.000 e 500.000 armênios e turcos morreram.

"Nunca devemos esquecer ou calar sobre esta horrível e sistemática campanha de extermínio", sublinhou Joe Biden durante a sua campanha.

"Se não reconhecermos plenamente o genocídio, se não o recordarmos, se não o ensinarmos, as palavras 'nunca mais' não significarão nada", acrescentou.

O anúncio de Biden não tem significado jurídico, mas pode piorar as tensões com a Turquia, que o secretário de Estado americano Antony Blinken chamou de "suposto parceiro estratégico" que "em muitos aspectos não se comporta como um aliado". 

O presidente democrata afirma querer colocar a defesa dos direitos humanos no centro de sua política externa. Seu governo confirmou a acusação de "genocídio" feita nos últimos dias da presidência de Donald Trump contra a China pela repressão aos muçulmanos uigures.