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Sauditas eleitas para conselhos têm participação limitada

Mulheres eleitas não poderiam ficar na mesma sala que seus colegas homens; muito menos sentar na mesma mesa

Por Folhapress
Publicado em 27 de abril de 2016 | 09:26
 
 

Mal haviam superado um dos maiores obstáculos do reino, ganhando autorização para participar pela primeira vez das eleições aos Conselhos Municipais, as sauditas se depararam com outro desafio: as mulheres eleitas não poderiam ficar na mesma sala que seus colegas homens. Muito menos sentar na mesma mesa.

A proibição veio a público após os protestos de duas conselheiras de Jidda, a capital administrativa e a segunda maior cidade da Arábia Saudita. Segundo relatos, ao chegarem para seu primeiro dia de trabalho, em janeiro, Rasha Hefzi e Lama al-Sulaiman foram instruídas a ir para uma sala separada, onde poderiam assistir à sessão do Conselho Municipal e interagir com os outros membros por um circuito fechado de vídeo.

Após protestarem, argumentando que a separação não estava prevista em lei, o Ministério Rural e de Assuntos Municipais saudita publicou um adendo às regulações existentes. Na nova norma, a decisão oficial: as conselheiras deveriam, sim, ficar apartadas dos homens.

Em meados de março, Lama al-Sulaiman renunciou ao cargo, sendo substituída por um novo conselheiro, homem. Ela se recusou a falar com a imprensa local sobre o caso.

Eleições históricas 

Em dezembro de 2015, a Arábia Saudita permitiu pela primeira vez que mulheres se candidatassem aos Conselhos Municipais -esfera de decisão por si só recente no país. As primeiras eleições ocorreram em fevereiro de 2005, após o rei Abdullah (morto em janeiro de 2015 ) anunciar, em 2003, que parte das vagas dos conselhos seria aberta aos cidadãos. No país não são permitidos partidos políticos.

Os conselhos têm sobretudo função simbólica: sem poder legislativo, fazem apenas uma supervisão limitada de outros órgãos do governo.

A declaração real, que não discriminou o gênero dos autorizados a votar e a concorrer, animou ativistas, que passaram a cobrar as autoridades pela inclusão de mulheres. Uma das campanhas montadas nesse contexto foi batizada de Baladi, da qual participa a historiadora saudita Hatoon Al-Fassi.

Durante uma mesa-redonda no think tank Arab Gulf States Institute, em Washington, nos EUA, Al-Fassi explicou o sensível balanço que as mulheres da Baladi deveriam equilibrar: por um lado, cobrar pela inclusão das sauditas no pleito, a partir do que havia sido expresso pelo próprio rei; por outro, não se posicionar de maneira desafiante, de forma que pudessem ser tachadas de traidoras.

Uma das estratégias utilizadas pelo grupo foi a de marcar presença nas sessões dos conselhos, abertas ao público. A outra, a de seguir estritamente as normas legais existentes, utilizando-as como arma. Por exemplo, quando alguns conselheiros tentaram impedir as ativistas de assistirem às sessões públicas, elas recorreram à lei para mostrar que a interdição não existia.

A resistência dos conselheiros, no entanto, disse Al-Fassi, suavizou-se com o tempo, ao perceberam a força da imagem das mulheres no local para fins de relações públicas. Quando comitivas estrangeiras visitavam os conselhos, eles podiam mostrar, orgulhosos, a presença das ativistas da Baladi no local.

Em 2013, quando o rei decretou que ao menos 20% dos assentos do Conselho Shura -órgão formado somente por indicações e que tem como função aconselhar o rei- seriam ocupados por mulheres, o movimento ganhou ainda mais força. Na Shura, mulheres e homens trabalham na mesma sala, ainda que em lados separados.

Finalmente, em dezembro de 2015, as sauditas puderam pela primeira vez participar como candidatas e eleitoras para os conselhos municipais. Das 2.100 vagas abertas à concorrência, elas conquistaram 21. Outros 1.050 assentos foram preenchidos após indicações aprovadas pelo rei, e 17 deles ficaram com mulheres.

Das 130 mil mulheres registradas para votar, compareceram efetivamente às urnas 106 mil. Entre os homens, havia 1,35 milhão de eleitores registrados e cerca de 600 mil votaram. São números ínfimos diante do total da população saudita, de 29 milhões.

Balanço polêmico 

A situação de Lama al-Sulaiman e de suas colegas nos Conselhos Municipais mostram que, apesar dos recentes avanços, ainda são inúmeros os limites impostos a mulheres na Arábia Saudita.

Antigas proibições continuam vigentes, segundo a ONG Human Rights Watch: as sauditas são proibidas de dirigir e vivem sob a tutela de um guardião -geralmente o pai, marido ou irmão-, que tem poder de decisão sobre diversas esferas de sua vida, como casar, viajar e ter acesso à educação de nível superior.

De acordo com Kristin Diwan, professora na American University (Washington, DC.), não há resposta fácil à questão de se as recentes eleições na Arábia Saudita são realmente concessões às mulheres ou apenas uma ação de relações públicas do Reino.

"São ambos. No contexto saudita, a inclusão das mulheres em novas arenas públicas sempre será contestada por alguns, então neste sentido é uma concessão. No entanto, a estrutura de poder atual não concede muita autoridade política aos conselhos municipais, com homens ou mulheres", disse, em entrevista à reportagem por e-mail.