Violência

'Vídeo repugnante' de ação policial que matou homem negro preocupa autoridades

Autópsia ainda não foi concluída, mas advogados da família disseram que exame comprovou que Tyre Nichols foi severamente espancado

Por Agências
Publicado em 27 de janeiro de 2023 | 20:22
 
 
Velas acesas em homenagem a Tyre Nichols, que morreu após uma abordagem policial nos EUA Foto: SCOTT OLSON / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / GETTY IMAGES VIA AFP

Cinco policiais de Memphis, nos Estados Unidos, foram formalmente acusados de assassinato nesta quinta-feira (26) devido à morte de Tyre Nichols, um homem negro de 29 anos. Ele faleceu em decorrência de uma abordagem dos cinco agentes — todos negros — que vem sendo descrita como repugnante.

A ação ocorreu em 7 de janeiro, e Nichols morreu três dias depois. Ainda não há, no entanto, detalhes sobre por que ele foi parado pelos agentes e o que de fato ocorreu na abordagem policial — em parte porque as autoridades de Memphis estão agindo com cautela e algum grau de preocupação com a divulgação das imagens das câmeras presas às fardas dos agentes.

A expectativa é de que os vídeos sejam tornados públicos nesta sexta-feira (27), depois das 18h no horário local (21h de Brasília).
"Estamos aqui hoje devido a uma tragédia que fere profundamente uma família, mas também a todos nós", disse Steve Mulroy, promotor distrital que apresentou as acusações.
Sem revelar detalhes, ele contou que Nichols foi parado pelos policiais e que houve "uma altercação", durante a qual os agentes jogaram spray de pimenta nele. O homem então fugiu a pé — e a descrição do que se seguiu foi imprecisa. "Houve outra altercação num local próximo em que o sr. Nichols sofreu ferimentos graves."

A autópsia oficial do caso ainda não foi concluída, mas advogados da família disseram em entrevista à CNN americana que um exame médico constatou que ele foi severamente espancado. "Nenhuma mãe deve passar pelo que estou passando agora —perder seu filho da forma violenta que eu perdi o meu", disse RowVaughn Wells em entrevista coletiva nesta sexta.

Os cinco policiais foram identificados como Tadarrius Bean, Demetrius Haley, Emitt Martin 3º, Desmond Mills Jr. e Justin Smith. Suas idades variam de 24 a 32 anos e seus tempos de serviço em Memphis vão de dois anos e meio a cinco anos. Eles faziam parte de uma unidade especializada que patrulhava áreas de alta criminalidade da cidade, a segunda maior do estado do Tennessee —e onde mais de 60% dos 630 mil habitantes são negros.

Além das acusações de homicídio, os cinco responderão por agressão e sequestro, ambos com agravantes, má conduta oficial e opressão oficial.

Todos foram demitidos no sábado (21), após investigação interna no departamento concluir que violaram os protocolos, usaram força excessiva, falharam na abordagem e não prestaram socorro. Eles também foram detidos na manhã de quinta, mas, segundo o jornal americano The New York Times, acabaram liberados nesta sexta-feira (27) depois de pagarem fianças que variaram entre US$ 250 mil (R$ 1,3 milhão) e US$ 350 mil (R$ 1,8 milhão).

O diretor do Escritório de Investigação do Tennessee, David Rausch, disse em entrevista coletiva que ficou enojado com o que viu nos vídeos das câmeras corporais. "Em poucas palavras, é absolutamente terrível. O que aconteceu não reflete de forma alguma o policiamento adequado. Foi errado. Foi criminoso."
A chefe do Departamento de Polícia de Memphis, Cerelyn Davis, publicou um vídeo em que pede à população que reaja com calma à divulgação das imagens, descritas como hediondas e desumanas. "Espero que nossos cidadãos exerçam o direito da Primeira Emenda [da Constituição] de protestar, exigir ação e resultados, mas precisamos garantir que nossa comunidade esteja segura. Espero que sintam o que a família Nichols sente. Que se sintam indignados com o desrespeito aos direitos humanos básicos", disse. À CNN ela completou: "Vocês verão imagens que desafiam o sentido de humanidade".

O presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou em comunicado que a morte de Nichols "é um lembrete doloroso de que devemos fazer mais para garantir que nosso sistema de justiça criminal cumpra a promessa de justiça justa e imparcial, tratamento igualitário e dignidade para todos".

O democrata também pediu protestos pacíficos e, reconhecendo que a violência policial afeta pessoas não brancas desproporcionalmente, voltou a cobrar do Congresso a aprovação da lei nomeada em homenagem a George Floyd, que prevê uma série de reformas policiais e ficou travada no Senado.
Na tarde desta sexta, Biden ligou para os pais de Nichols. "Ele era um garoto incrível", disse o presidente em uma conversa de dez minutos com a família. Segundo o relato do jornal The Washington Post, ele contou que estava olhando para o busto de Martin Luther King no Salão Oval durante a ligação e convidou a família a visitar a Casa Branca. Segundo a Presidência, ele não teve acesso ao vídeo.

O governador do Tennesse, Bill Lee, do Partido Republicano, disse em nota que "o abuso cruel e criminoso de força não será tolerado" e que Memphis e seu Departamento de Polícia "precisam examinar com atenção a má conduta e a falha que ocorreu na unidade."

A família Nichols assistiu às imagens da polícia no início da semana, acompanhada de seu advogado, Ben Crump —famoso por representar familiares de vítimas em outros casos notórios de violência policial e racismo nos EUA, como os de Floyd e Breonna Taylor.

Nesta sexta, o advogado afirmou à imprensa que um legado adequado a Nichols inclui mudanças na polícia, como uma legislação para exigir que o agente intervenha se presenciar outros policiais usando força excessiva.

Antonio Romanucci, que trabalha com Crump, afirmou que o vídeo mostra Nichols sendo espancado como uma "piñata humana" —referindo-se à tradição hispânica de arrebentar um recipiente cheio de doces em festas de aniversário. O espancamento teria ocorrido por cerca de três minutos, depois dos quais Nichols foi agredido com armas de choque. "Não foi apenas violento, foi selvagem", disse Romanucci.

"Esse jovem perdeu a vida de uma forma particularmente repugnante, que aponta para a necessidade desesperada de mudança e reformas, para garantir que essa violência pare de ocorrer", afirmou Crump.

O advogado comparou a morte de Nichols ao caso de Rodney King. Em 1991, quatro policiais foram filmados espancando o homem negro. Os agentes foram presos e, no ano seguinte, soltos, gerando uma onda de protestos em Los Angeles que acirrou tensões raciais e deixou mais de 50 mortos e 2.000 feridos.

Ainda segundo Crump, as últimas palavras de Nichols no vídeo dos policiais são dele chamando três vezes pela mãe. A abordagem que resultou em sua morte ocorreu a cerca de 100 metros da casa dela. Ele trabalhava na FedEx e costumava passar o horário de jantar na casa da mãe. Deixa um filho de quatro anos.

(Folhapress)