Cuidados paliativo

O CUIDAR é conjugado quando não há mais cura

Profissionais da saúde se dedicam a dar qualidade de vida a pacientes que aguardam a morte

Qua, 27/07/16 - 03h00
“Triste é, mas não é todo mundo que tem essa oportunidade de o médico vir em casa. Estou com esse privilégio”, comentou Ângela sobre a equipe de Cuidados Paliativos; no sofá, técnica de enfermagem e psicóloga conversam com ela | Foto: Fernanda Carvalho/O Tempo

Quando sobra pouco, a vida torna-se preciosa. Um jovem de 35 anos, desolado com um câncer raro e incurável na pleura, teve alta do hospital e foi para casa. Passaram-se apenas dois dias, e precisou retornar à unidade, pois o tumor piorara. Mas emocionou a equipe médica com seu relato de gratidão por ter conseguido, nas poucas horas sem regras institucionais, receber mais de 60 visitas e rever a árvore em frente a sua casa – faleceu menos de três meses depois. “A gente não dá alta para o paciente morrer em casa, a gente dá alta para ele viver”, diz o geriatra Fabiano Moraes Pereira, mostrando como sua atuação como paliativista do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte imprime nele um olhar gentil sobre a finitude. Ainda incipiente nas unidades de saúde de Minas Gerais, os Cuidados Paliativos constituem uma área em que nunca se diz a um doente incurável que não há mais nada a ser feito, já que até o fim é vida.

Apesar de inevitável, a morte não precisa ser ruim – ela pode ser digna. Esta é a busca diária dos profissionais paliativistas: afastar o sofrimento e a dor para que a pessoa em fase terminal possa desfrutar os dias que lhe restam em casa, perto de suas lembranças e familiares. É uma equipe que quer saber o que é mais importante para o paciente e aquilo que mais o incomoda. Não pensam em como “curar”, são estudiosos do “cuidar”.

Desejo

Somos finitos. Nenhuma ciência é capaz de transpor essa condição. Mas, nos últimos 30 anos, médicos e sociedade voltaram-se para os avanços tecnológicos na saúde, “crentes de que sempre há uma solução, mais um exame e uma intervenção a serem feitos”, conta Beatriz Birchal, presidente da Sociedade de Tanatologia e Cuidado Paliativo de Minas Gerais (Sotamig). Definitivamente, não é possível resolver tudo, pensa ela. “Continuamos mortais, e chega uma hora em que temos apenas que cuidar. Não é só tentar evitar o fim, é saber qual a melhor maneira de abordá-lo, mas pouca gente está atenta a isso”.

A pesquisa Últimos Pedidos, realizada em quatro grandes países – Estados Unidos, Brasil, Itália e Japão –, mostrou que os desejos dos doentes terminais são quase sempre desconhecidos ou ignorados por pessoas próximas. Apresentada em abril deste ano pela revista britânica “The Economist”, em parceria com a fundação Família Kaiser (um centro de estudos em saúde), a pesquisa concluiu que mais de um terço dos entrevistados não sabiam o que o parente queria no fim da vida, como, por exemplo, assistir a um evento especial, como um casamento, mesmo que deixar o hospital fosse um risco.

Entre 12% e 24% dos que conheciam os desejos dos entes queridos disseram que tais vontades não foram realizadas. Mais ainda, entre 25% e 38%, afirmaram que os pacientes tinham experimentado dores desnecessárias em estágios terminais. A maioria classificou a qualidade dos cuidados no fim da vida como “razoável” ou “ruim”.

A psicóloga oncológica e paliativista Francine Portela menciona que outros estudos internacionais revelam também que pessoas que recebem cuidados paliativos vivem mais tempo, com menos dor e depressão do que os que são submetidos ao tratamento padrão. Os primeiros “ficam ao lado de quem desejam, realizando sonhos, coisas importantes”, explica.

As preferências do paciente e a prevenção da dor não são levadas em consideração pela maioria das unidades de saúde, que recebe recursos por procedimentos, faz intervenções invasivas, tentando esticar a vida e, sem sucesso, desampara o doente que “não tem mais jeito”.

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