Entrevista

Preocupação com crise climática leva à ecoansiedade

Hamangaí Marcos Melo Pataxó é indígena do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, tem 22 anos e é estudante de Veterinária na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB)

A jovem ativista, que luta pela proteção do seu território e da floresta e denuncia o genocídio indígena, conta que precisou tomar medicamento para sair da depressão. | Foto: arquivo pessoal
PUBLICADO EM 15/12/19 - 06h00

Nesta entrevista, Hamangaí Pataxó relata seu sofrimento com a 
situação ambiental no Brasil. A jovem ativista, que luta pela proteção do seu território e da floresta e denuncia o genocídio indígena, conta que precisou tomar medicamento para sair da depressão.

Segundo a revista “Psychology Today”, a “ecoansiedade” é o resultado da preocupação constante com as questões ambientais e a deterioração da natureza. Você conhecia esse termo? Em dezembro do ano passado, eu participei da Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas (COP 24), da Organização das Nações Unidas (ONU), na Polônia. Eu retornei no início do ano e, do dia 1° de janeiro até o dia 15, eu fiquei com insônias pesadas. Eu fazia de tudo para tentar dormir bem durante a noite – tomava chás, escutava música para tentar relaxar –, mas não conseguia. Nada disso fazia com que o sono viesse, e um dos fatores que acredito que contribuíram para isso foram justamente as notícias que a gente acompanha na internet. Além disso, a posse do presente Jair Bolsonaro acarretou várias outras coisas, como a incitação ao ódio, aos ataques aos nossos territórios. Eu tive contato com muitas informações sobre o que estava acontecendo com os povos indígenas. Além da insônia, eu não me alimentava e estava com um desânimo profundo. Tinha dias que eu não sabia se o céu estava estrelado ou não e não tinha forças para nada, ficava só em cima da cama. Depois minha mãe me levou ao médico, e eu comecei a tomar medicamentos. 

Quais notícias te deixavam mais ansiosa? Essas notícias sobre projetos de morte, ataques nas comunidades indígenas, assassinatos de lideranças, ameaças, perseguições. Eu acabo, de certa forma, tendo contato muito direto, porque faço parte de coletivos e de uma organização de jovens que lida com a pauta socioambiental no Brasil. Então, estou diariamente ligada e recebo essas notícias via WhatsApp e Facebook. Eu me senti em uma situação de tamanha preocupação e de angústia! E também sobrecarregada, porque não é fácil você ver tudo isso acontecendo e não fazer nada ou não se posicionar. Hoje eu estou dentro da universidade e, às vezes, não consigo conciliar o curso com essa luta pelos povos indígenas. São duas realidades: eu tentar me conciliar dentro do espaço acadêmico – é um local onde a gente está diariamente lidando com algumas pessoas, professores, não tão sensíveis a essa demanda –, e a pressão das provas e de conseguir me sair bem nas disciplinas. São vários fatores que contribuem para o desenvolvimento da ansiedade. E, se tratando da “ecoansiedade”, é justamente essa falta de respeito para com meu povo, os nossos direitos sendo violados, mas sobretudo o direito de viver.

Além da insônia, quais foram os outros sintomas que essas notícias desencadearam em você? Falta de apetite, desânimo, angústia, coração acelerado, sintomas do espectro físico, como tensão muscular, dor de cabeça e até queda de cabelo. Também senti a questão da alteração do humor. Às vezes eu estou bem e, do nada, começo a chorar.

O que você tenta fazer quando esses sintomas aparecem? Por eu estar fora da minha comunidade, estou um pouco limitada a conseguir vivenciar os nossos rituais. Aqui, onde eu moro, é outra realidade, é muito barulho. Ao lado da minha casa está sendo construído um condomínio enorme. Tem a rotina da universidade, que é muito puxada, então é muito corrido o dia a dia. O que eu fiz quando fiquei 15 dias em cima da cama foi procurar a anciã da minha aldeia e uma parente Tupinambá que domina o conhecimento sobre plantas medicinais. Elas me orientaram a tomar banhos de ervas e a fazer as minhas orações dentro de casa. Sempre que possível procuro manter o contato com a natureza, seja em uma mata ou ir a uma cachoeira para tomar banho. São essas coisas que dão uma reenergizada na gente. Fora o apoio dos amigos, porque, às vezes, a gente passa tudo isso de forma silenciosa. 

Você também procurou atendimento psicológico? Sim. Mas eu vejo que a psicologia ainda tem uma certa dificuldade de compreender a visão dos povos indígenas. Então, cabe muito a gente fazer um balanceamento de como se cuidar. E eu falo isso na visão de uma jovem indígena, ou seja, de alguém procurando esse apoio psicológico, mas que também precisa se reconectar com as coisas sagradas, se reconectar com a mãe terra. É o que eu tento fazer, dentro e fora da minha aldeia: participar de encontros nos quais eu tenha contato com outras pessoas que também compactuam com esse saber milenar.

De maneira geral, como essas notícias afetam os povos indígenas? Tratando-se de mudanças climáticas, os povos oriundos de comunidades tradicionais, povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas são os primeiros a sofrer. Essa questão do derramamento do óleo no litoral do Nordeste é apenas um exemplo de crime ambiental que está acontecendo aqui, no Brasil. Tem algumas comunidades indígenas que não têm acesso à internet nem a telefone, na verdade. Mas tem a rádio Parente, que é compartilhada em formato de áudio, muito mais fácil de socializar o que está acontecendo aqui, no Brasil. É uma ferramenta extremamente importante, porque o que “constrói” a rádio são justamente os áudios que os indígenas de dentro de suas comunidades mandam. Então, é assim que a gente usa as tecnologias como ferramenta de luta. Eu também participei da construção de uma rádio de mulheres indígenas, em que a gente usava esse veículo como forma de empoderamento e para compartilhar nossas angústias, denúncias e para repensar como as informações são repassadas dentro dos territórios indígenas.

Você acredita que os jovens são também um dos mais impactados pela “ecoansiedade”? Jovens e crianças estão, de forma cada vez mais precoce, tendo contato com WhatsApp, Facebook, e toda essa tecnologia está privando as crianças de sua infância. Percebo que uma pergunta muito frequente, que muitas pessoas ainda fazem às crianças, é sobre o que elas vão ser quando crescer. As crianças estão sendo obrigadas, desde muito novas, a pensar e começar a se preocupar com o futuro e com o que elas vão ser quando crescer, não respeitando que o ser criança já é muita coisa, já é algo muito valioso e simbólico. Ao mesmo tempo, essas pessoas suprem essa falta da presença física e emocional com o celular, o notebook e o tablet, e aí, nesse contato precoce dessas crianças com a tecnologia, elas estão tendo contato com muitas coisas, muitas notícias. Eu vejo que esse não é caminho.