Fernando Fabbrini

Escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

Dores de amores

Publicado em: Qui, 09/05/19 - 03h00

Ainda bem que existem, para nosso consolo, centenas de músicas inspiradas na dor de cotovelo de quem já passou por isso e sobreviveu. E sonetos, prosas e versos recheados de lamúrias. Ou animados roteiros turísticos pelo Caribe, em busca de novas alegrias para esquecer e recomeçar. Ou, ainda – em emergências –, que bom que existem os amigos e os desabafos no barzinho. Porque são coisas assim que salvam o abandonado quando o amor esfria, murcha, míngua de um lado e derruba o outro.

As razões são as mais variadas, banais e, frequentemente, também cruéis. Vão desde o desencanto, passando pelo tédio e a rotina, a falta de graça, o sem-sal. Às vezes, para maltratar ainda mais a alma do desprezado, o amor acaba de um lado porque assanhou-se em outra direção, ouviu sininhos, trocou sorrisos, olhares e mensagens de WhatsApp, reacendendo o fogo de um coração que andava adormecido. E como assuntos do coração são temas universais, nesta semana deparei-me com dois casos de amor que viraram notícia.

Depois de mais de cem anos de vida conjugal, chegou ao fim o casamento de Bibi e Poldi na romântica Viena. Valsas, perfumes, os belos parques e jardins daquela cidade não foram capazes de manter a chama de um casal famoso da Áustria. Nascidos por volta de 1897, a dupla que habita o Reptilenzoo Happ afeiçoou-se bem lentamente, como convém aos quelônios.

Ah, sim; Bibi e Poldi são duas tartarugas de 300 kg cada. O namoro começou num zoológico da Suíça, tempos atrás, quando Poldi passou a correr atrás de sua sedutora Bibi. Digo “correr” no sentido figurado, claro. Ela, envaidecida, aceitou as gentilezas do pretendente – um naco de mamão, um repolho, frutinhas afrodisíacas, agrados vegetais. E, após alguns beijinhos, uniram seus cascos até que a morte os separasse.

Recentemente os tratadores do zoológico austríaco levaram um susto. Bibi, talvez cansada de discutir a relação, tacou uma dentada em Poldi. Tirou sangue. O pobre macho só teve tempo de recolher-se à carapaça e ficar ali quietinho, fingindo assistir ao futebol, ouvindo a bronca da patroa. Terminava assim um sólido relacionamento de 115 anos. Ela agora passa por ele, vira o focinho, nem dá bom-dia e vai se encontrar com as amigas no shopping.

Já a outra notícia é mais comovente. E com um agravante: aconteceu na Itália, terra de Romeu, Julieta, Dante, Beatriz, Federico, Marcelo, Anita e demais apaixonados clássicos. Num dos parques de Recoaro Terme, estância da região do Vêneto, um imbecil filho da mãe matou a porretadas um dos cisnes machos que habitavam o lago do resort.

Sabe-se que os cisnes – assim como pinguins, tartarugas, lobos e alguns humanos – são extremamente fiéis aos seus cônjuges, namorados, amantes, casos, parceiros, rolos – seja qual for o vocábulo que define o doce estado de agarramentos. Ah, que dor!

Horas após o infausto evento, a fêmea do falecido cisne fechou o bico. Recusou-se a comer. Isolou-se. Três dias depois estava mortinha.

O drama comoveu os habitantes de Recoaro Terme. Indignado, o prefeito de lá abriu inquérito e chamou os Carabinieri para caçarem o criminoso. Os corpos das duas aves, depois de examinados por veterinários, foram sepultados sob lágrimas e ao som de canções de amor. Lógico: aconteceu na Itália.

Fosse a história uma fantasia, eu terminaria dizendo que de agora em diante os dois cisnes aparecerão nadando serenamente, juntinhos, nas noites de lua cheia, deixando nas águas um rastro luminoso em forma de coração. Porém, só serão vistos por casais apaixonados. Já Bibi, a tartaruga divorciada, vai em busca de mais espaço enquanto fêmea poderosa e guerreira – pelos próximos cem anos que lhe restam.

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