ACÍLIO LARA RESENDE

A morte que pode ter levado um pedaço da liberdade

Boechat fazia críticas contundentes à esquerda e à direita

Por Da Redação
Publicado em 14 de fevereiro de 2019 | 03:00
 
 

Durante o almoço, que é sempre mais rápido do que gostaria que fosse, mantenho afastados os jornais e desligados o rádio e a televisão, e deixo o telefone a aconselhável distância. Dependendo da insistência, atendo-o. Na última segunda-feira, a insistência foi tanta que não tive alternativa senão ceder ao seu chamado. Por ele, após a última garfada, veio-me a triste notícia do falecimento precoce do jornalista Ricardo Boechat. Foi-se com ele um pedaço da liberdade, mas, sobretudo, da liberdade de imprensa. Fará muita falta.

Boechat morreu em instante trágico para o país, depois das 165 mortes (confirmadas) em Brumadinho, sete no Rio de Janeiro, causadas pelas chuvas que acontecem anualmente, e de dez adolescentes mal alojados no Flamengo, à espera da realização de um sonho que meninos pelo Brasil afora desesperadamente alimentam – o de se tornarem craques, além de financeiramente independentes, por meio do futebol. E, como se não bastasse, após bárbaro crime, ocorrido na comunidade de Surrey, na Inglaterra, envolvendo, coincidentemente, dois mineiros: Aliny Mendes, 39, e Ricardo Godinho, 41, suspeito de matar a facadas a companheira quando esta caminhava com a filha de 3 anos no colo. Aliny tinha mais três filhos menores. Os quatro foram entregues a um abrigo na Inglaterra.

Boechat fará falta ao governo Bolsonaro, que ainda não começou, mas que, pelas notícias, começará logo, após sua alta médica, ocorrida ontem. Saberia, com certeza, criticar os excessos defendidos pelos radicais (de direita) de plantão, que querem abolir a política e implantar o ódio. São tão prejudiciais quanto os que deixaram o poder depois de quase 14 anos. Expõem o governo, que tem “missões” importantes e inadiáveis. “Boechat fará uma falta imensa, neste tempo de polarização política e social do país, porque ele procurava sempre, em cada análise, a palavra justa. Conseguia ser uma espécie de radical do equilíbrio”, disse Míriam Leitão, em sua coluna de anteontem.

Boechat fazia críticas contundentes a qualquer dos lados, à esquerda e à direita, desde que a notícia assim o conduzisse. Brincava ao dizer que o jornalista deveria estagiar num canil para apurar seu faro pela notícia. Às vezes, eu mesmo ficava na dúvida sobre a contundência do que acabara de ouvir no jornal que apresentava. Dava-me a sensação de que usava a palavra como se fosse, apenas, um bom porrete, mas, depois, o aplaudia. E concluía comigo: será que o porrete do Boechat dará conta de afastar os maus políticos? Disse ele, com propriedade, em seu último programa na BandNews: “A impunidade é o que rege, o que comanda a orquestra das tragédias nacionais”.

O colunista José Casado, no jornal “O Globo”, acertou justo no alvo: “Quem, algum dia, desfrutou do prazer de conviver com Ricardo Boechat aprendeu algo sobre o significado da palavra “liberdade”.