ACÍLIO LARA RESENDE

Retira-se de cena a figura lendária de José Alberto Mujica Cordano

Vive hoje, como sempre viveu, pobremente, em seu sítio

Por Da Redação
Publicado em 23 de agosto de 2018 | 03:00
 
 

No domingo de Dia dos Pais, li a notícia de que o ex-presidente do Uruguai (2010-2015) José Alberto Mujica Cordano, ou simplesmente Pepe Mujica, como carinhosamente é chamado por seus eternos admiradores, aos 83 anos, “alegando motivos pessoais e cansaço da longa viagem”, renunciou ao mandato de senador e, igualmente, aos vencimentos do cargo. Mujica explicou, porém, que essa decisão não significa que vai se afastar da vida pública. Em carta à atual presidente do Senado e, também, vice-presidente de seu país, Lucía Topolansky, sua mulher há mais de 40 anos, afirmou o seguinte: “Enquanto minha mente funcionar, não posso renunciar à solidariedade e à luta de ideias”.

Modesto agricultor e político, Pepe Mujica combateu a ditadura civil-militar em seu país, que durou de 1973 a 1985. Foi preso várias vezes e, após fugir duas vezes da cadeia (integrou o Movimento de Libertação Nacional –Tupamaros), além de vítima de seis tiros, cumpriu pena de 14 anos de prisão. Ex-deputado e ex-ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca, vive hoje, como, aliás, sempre viveu, pobremente, em seu sítio, próximo a Montevidéu, onde cultiva hortaliças.

Em entrevista ao jornal “El País”, Mujica disse que vai “se refugiar na aposentadoria”. E completou, com rara elegância: “Se alguma vez, no calor dos debates, feri pessoalmente algum colega, peço sinceras desculpas”.

Conforme explicou o jornal, a renúncia do ex-presidente faz parte de um plano já conhecido de renovação dos quadros políticos do Movimento de Participação Popular (MPP), que integra a frente ampla que governa o Uruguai há três mandatos, incluindo o dele. O ex-presidente praticou um ato difícil na vida de qualquer político, de qualquer país. Trata-se de um bom exemplo, que poderia ser seguido por muitos políticos brasileiros, e antes que terminem em maus lençóis…

Esse exemplo de nobreza, que Pepe Mujica dá de graça a seus companheiros, traz-me à lembrança a figura do principal líder popular brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Não sei se essa forma nobre de servir ao país já passou pela cabeça do fundador do PT, que teve a ventura de presidir nosso país por dois mandatos consecutivos.

Já estava disposto a falar sobre o que o ex-presidente Lula e seus advogados vêm fazendo, sobretudo no exterior, para transformar sua condenação criminal em condenação política ou, o que é pior, numa perseguição política, quando tive ciência da primeira pesquisa Ibope para presidente da República após o registro das candidaturas.

Um espanto! Vivemos uma experiência realmente extraordinária. Trata-se de quase ficção, mas é a pura realidade. O Ibope levantou um cenário com a presença de Lula como candidato, embora esteja (quase) certo de que o PT não obterá na Justiça Eleitoral o registro respectivo. Nesse cenário, Lula ocupa a liderança, com 37% das intenções de voto, e Jair Bolsonaro, o segundo lugar, com 18%.

Retirando-se Lula, eis o resultado: o deputado Jair Bolsonaro passa a ocupar a liderança, com 20%. Em compensação, o candidato que provavelmente substituirá Lula, Fernando Haddad, não passa de 4% das intenções de votos. E mais: quando consultados, 60% dos eleitores de Lula dizem que não votarão em Fernando Haddad…

Bem que Lula poderia mirar-se em Pepe Mujica, um velho batalhador das causas sociais, e deixar de pensar em si para, finalmente, trabalhar em favor do futuro de 206 milhões de brasileiros.

Esse, sem dúvida, já seria um bom começo.