Anis Jose Leao

Diretor aposentado da Divisão Eleitoral do TRE-MG e escreve todas as terças-feiras em O TEMPO

Quando saíam para votar, muitos pais se despediam da família

Votar era farsa ou risco de vida

Publicado em: Ter, 18/08/15 - 03h00

Bruno de Mendonça Lima, que foi membro da comissão que elaborou o primeiro Código Eleitoral brasileiro, fez um resumo de como votar, pelos anos 30; era farsa ou risco de vida. Desde o início da República, a prática eleitoral era até cômica, cada partido tinha uma cor na cédula, que vinha dentro de envelope da mesma cor e era entregue ao eleitor na porta das seções de votação; por vezes, o voto já estava lacrado, e o votante não sabia o conteúdo.

No Rio de Janeiro, por volta do anos 20, os cariocas instituíram a prática de pancadarias e sequestro da urna; pela frequência com que os eleitores votavam em certa cor, era fácil saber qual partido receberia mais votos, então os capangas do partido desfavorecido armavam confusão, quebra-quebra, e, por vezes, a urna sumia.

A falta de seriedade era tamanha que os partidos pagavam a desocupados (pataqueiros) para que votassem com títulos de gente morta, e isso durou longo tempo.

Os riscos de uma eleição eram tão grandes que muitos pais de família, quando saíam para votar, se despediam como se duvidassem de voltar a ver os filhos e a mulher, que, por sua vez, ficava em casa, rezando para que o marido voltasse são e salvo.

Logo após a posse de Getúlio Vargas, seu ministro da Justiça, Maurício Cardoso, e os juristas João da Rocha Cabral e Assis Brasil, este com ideias novas da Europa, deram início ao estudo de nova legislação, cuja base estava em anteprojeto de João da Rocha Cabral, que sintetizava em duas leis todas as sugestões colhidas até então. Bruno de Mendonça Lima, membro da comissão em substituição a Assis Brasil, sugeriu que, em lugar de leis e mais leis, se fizesse um Código Eleitoral. Integravam a comissão o ministro Maurício Cardoso, seu presidente, e os juristas Juscelino Barbosa, Sampaio Dória, Sergio Ulrich de Oliveira, Ademar de Faria e Mário Castro.

A grande preocupação era não deixar margem para a fraude, assegurar a inviolabilidade e o sigilo do voto; para isso, Sampaio Dória, diretor da Faculdade de Direito de São Paulo, fez o papel de “advogado do diabo”. Ele tinha enorme talento para detectar fraudes, pois ao término de um dia inteiro de debates sobre determinado item, quando a comissão julgava bloqueadas todas as possibilidades de fraude, ele pensava um pouco – às vezes deixava sua crítica para o dia seguinte – e então despejava uma carga de meios de burlar o pleito. Era um arraso.

Simultaneamente à legislação foi criada também a Justiça Eleitoral. As eventuais dúvidas antes verificadas eram resolvidas pelo Legislativo, em que a situação era maioria, graças à corrupção, e ele decidia os impasses sempre favorecendo o governo, mesmo com artifícios absurdos. Esse código de 1932 implantou o voto feminino.

Antônio de Sampaio Dória foi um político, jurista e educador brasileiro. É dele esta frase: “Governo democrático e ignorância do povo são duas coisas que se chocam, se repulsam, se destroem... Como um povo pode se organizar se não sabe ler, não sabe escrever, não sabe contar?”

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