Arnaldo Jabor

A esculhambação criadora

Publicado em: Ter, 16/02/16 - 02h00
Sejamos irônicos: toda catástrofe tem seu lado bom. Ou como minha avó dizia: “há males que vêm pra bem” ou “Deus escreve certo por linhas tortas”. É isso. Meu Deus, como fui cego – eu não tinha visto o óbvio. Não tinha visto que há boas notícias: graças a Deus, o Brasil está voltando para sua tradicional mediocridade, o velho Brasil renasce como rabo de lagarto. As ilusões democráticas, a busca de harmonia social e política eram muito enganosas. Parafraseando a frase de Schumpeter sobre a “destruição criadora” do capitalismo, estamos vivendo aqui a nova “esculhambação criadora”, uma coisa muito nossa.
 
São boas notícias ao avesso. A zika, por exemplo, está sendo ótima para Dilma, já vestida de médica cubana, comandando a luta contra poças de água, para ver se melhora seu ibope. Assim, podemos esquecer os cortes de gastos que ela não faz nem morta.

São boas notícias, sim. Por exemplo, o desemprego crescente também tem um lado ótimo.
Muito simples: o desemprego diminui a inflação que causou o próprio desemprego. Com menos grana, o povo gasta menos e os preços caem. Boa notícia.

Outro exemplo: a fome também pode ser útil – diminui a voracidade dos pobres e diminui o desastroso aumento populacional. Haverá menos gente miserável, finalmente aliviada da dificultosa obrigação de viver. Em vez de “Fome Zero”, teremos: “Tá com fome? Zero”. 

A fome também nos obriga a soluções criativas como sugeriu o dr. Samuel Johnson – o canibalismo de crianças miseráveis, escandalosa ironia na Inglaterra dos desgraçados no século XVIII. E mais vantagens: com a fome, muitos obesos emagrecerão. E já que o PT conseguiu botar menos comida no prato dos pobres, isso será bom para a saúde, uma espécie de “detox” para o proletariado.
Acabará o papo de muito consumo; voltará à simplicidade dos antigos barracos nas favelas idílicas do passado. Isso será bom para o samba e os pagodes; a carência, a pobreza geram uma melancolia criativa. Veremos o renascer de novos Cartolas e Cavaquinhos, contra musicas sertanejas e uivos funk. 
 
A roubalheira destrutiva da Petrobras foi terrível, mas teve seu lado bom: reduziu a companhia a um tamanho mais enxuto, compacto. A Petrobras sempre foi nosso orgulho por seu gigantismo; agora será mais minimalista, terá menos dinheiro e, portanto, menos ladrões.
 
Tudo tem seu lado bom. Os corruptos vão ser mais cuidadosos na “mão grande”. Voltaremos a velha roubalheira normal, sem os arroubos que o PT nos trouxe. É bom.
 
Outra coisa boa foi que a propina se mostrou mais rápida e eficiente que conversas, pleitos e ideologias. “Toma lá da cá é melhor”; em breve, teremos até cartões de crédito.
 
Que bom que Lula nos restaurou o bom e velho patrimonialismo e fez reflorir a beleza da mistura entre a coisa pública e a privada, adultério que construiu o país, desde as capitanias hereditárias – que aliás continuam: vejam o Maranhão de Sarney ou Alagoas de Renan.
 
A destruição da barragem da Samarco em Minas tem também um lado bom: como outras barragens fatalmente cairão, as cidades circunvizinhas terão tempo para se preparar. Isso é progresso.
Para Dirceu, o mensalão e o petróleo tiveram o mérito, o condão de satisfazê-lo, pois ele sempre passou a vida repetindo erros dolorosos, desde a UNE até hoje – o psicopata fica aliviado quando fracassa. Eduardo Cunha também; conseguiu errar tanto em suas ocultações bancárias que hoje é um elemento famoso, temido; deve estar feliz porque mostrou seus feitos e, mesmo punido, será um psicopata vitorioso.
 
A crise também é boa para acabar com a esperança da população; ficaremos mais céticos, menos crédulos. Que papo é esse de esperança? Ficaremos mais filosóficos, um povo mais profundo.
A crise exposta dos crimes do PT serve também para reforçar a fé de intelectuais que virarão fanáticos mais felizes em sua infelicidade, o que comprovará que são nobres mártires e vitimas dos neoliberais. Quanto mais absurdo, mais fé.
 
Também é bom porque intelectuais, mesmo da oposição, vão parar de falar em “inegáveis avanços sociais do lulopetismo”; que avanços? A correção monetária para o Bolsa Familia? 
Será mamão com açúcar para os evangélicos. A religião do desespero vai crescer, desde Aparecida até o Círio de Nazaré. Mesmo pisoteados, esmagados, serão felizes em sua desgraça.
A crise será muito lucrativa para as companhias estrangeiras que estão comprando nossa indústria sucateada. Petistas e Dilmistas eram contra o imperialismo, mas agora abriram as portas para ele, que estão comprando tudo na bacia das almas. E, em consequência disso, será bom também para muitos industriais brasileiros que se livrarão da chata tarefa de administrar e podem esquecer tudo em Miami. Vai acabar a cansativa busca de progresso. Voltará o doce “nada”.
 
Teremos também a irresponsabilidade fiscal.
 
Será bom pra o governo se livrar dessa lei castradora que enche de horror prefeitos e governadores e a própria Dilma, todos angustiados para cumprir contas claras. Teremos a velha gastança sem comprovação de sempre. A irresponsabilidade fiscal é mais emocionante. Chega de cuidados contábeis caretas; vamos partir para a aventura dos gastos voluntaristas. 
 
Voltará também a doce tradição da incompetência que tanto embala nossa preguiça – chega dessa mania de “competência técnica”, invenção solerte dos neoliberais de direita. Os jornais e comentaristas ficarão sem assunto, pois não haverá mais denúncias a fazer. Haverá um grande silêncio na aceitação conformada da barbárie. Tudo será esquecido; ficará provado finalmente que Celso Daniel se suicidou.
 
Outro exemplo é que o ajuste fiscal jamais será feito, e isso será bom para os pelegos montados nos sindicatos e nos inexpugnáveis fundos de pensão. 

Em suma, amigos, a nossa grande conquista será o doce sossego da desesperança. Voltaremos para nossa velha condição de “vira-latas”. Que alívio!

E para a própria Dilma tudo isso será uma grande vitória; ela sempre sonhou em destruir o capitalismo. E conseguiu.

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