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Opinião

Medida inoportuna

Publicado em: Qua, 10/06/20 - 03h00

Proposto por meio do Projeto de Lei (PL) 3.267/2019, de autoria do Poder Executivo, o afrouxamento das regras previstas no Código Nacional de Trânsito (Lei 9.503/1997) fará, sem dúvida, com que um problema que já é grave se torne ainda mais dramático: o elevado número de acidentes registrado todos os anos nas ruas, avenidas e estradas do país.

Não por acaso, a possibilidade de que a matéria venha a ser aprovada tem sido alvo de duras críticas por parte de diversos especialistas que lidam com o tema.

Em primeiro lugar porque o PL altera o intervalo de tempo necessário para avaliação médica de candidatos à obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de condutores já habilitados, que passaria de cinco para dez anos.

Além disso, dobra de 20 para 40 a pontuação-limite hoje estabelecida para suspensão da CNH e amplia de cinco para dez anos a validade do documento. Já no caso de motoristas com mais de 65 anos, a validade sobe dos atuais três para cinco anos, período após o qual a carteira terá de ser renovada.

O texto também extingue o prazo de 15 dias para que o candidato reprovado nos testes teórico ou prático possa refazer a prova. E exclui a exigência de exame toxicológico para habilitação ou renovação do documento que permite que motoristas profissionais de ônibus, caminhões e veículos semelhantes trafeguem de forma regular.

É importante lembrar que os acidentes de trânsito matam cinco pessoas e levam aos hospitais outras 20 a cada hora no Brasil, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM).

Ainda de acordo com o órgão, de 2009 a 2018, mais de 1,6 milhão de pessoas se feriram em razão dessas ocorrências, e 438 mil óbitos foram contabilizados. Nesse intervalo, o custo desses acidentes para o Sistema Único de Saúde (SUS) alcançou R$ 3 bilhões, volume já bastante expressivo. 

Para se ter uma ideia, as internações por Acidentes de Transporte Terrestre (ATTs) registradas entre os anos de 2010 e 2020 responderam por 15,4% do total de atendimentos desse tipo realizados pelo SUS.

Não temos dúvida de que a flexibilização proposta pelo PL 3.267/2019, se aprovada, terá como resultado um aumento significativo do número de acidentes e da demanda por leitos hospitalares no país, em um momento em que, além de o SUS se encontrar submetido a um rigoroso controle de gastos – fruto da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, em vigor desde 2016 –, o país enfrenta uma pandemia de proporções ainda incalculáveis, o que nos leva a crer que a procura por leitos de CTI nos hospitais – cuja lotação, em Minas Gerais, beira 70% – pode crescer.

Cumpre aqui também ressaltar que tais alterações desmerecem frontalmente o esforço que tem sido realizado pelas clínicas encarregadas de preparar os profissionais que lidam diretamente com o tráfego para uma avaliação correta e rigorosa, realizada a cada cinco anos, das condições físicas e psicológicas dos condutores, de modo a prevenir acidentes e salvar vidas. Esse cuidado, é necessário frisar, tem feito com que a lamentável situação com a qual nos defrontamos atualmente não seja ainda pior.

Por todas as razões acima explicitadas, nossa expectativa é que tais mudanças sejam prontamente rechaçadas pelos parlamentares, pois, do contrário, um problema de saúde pública – e, evidentemente, orçamentário – que já é agudo poderá se tornar crítico. Conforme tem sido repetido nas últimas semanas, a preservação da vida deve vir sempre em primeiro lugar. Que assim seja.

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