Coluna Cadu Doné

Confesso que perdi

Este é o título das memórias do mestre Juca Kfouri

Por Cadu Doné
Publicado em 26 de novembro de 2021 | 03:00
 
 

"Confesso que perdi” é o título das memórias do mestre Juca Kfouri – que faz sagaz referência ao “Confesso que vivi”, de Pablo Neruda, e ao antropólogo Darcy Ribeiro (“fracassei em tudo o que tentei na vida”). Juca, num humor autodepreciativo digno dos gênios, alega que perdeu porque, em sua trajetória marcada pelas lutas, pela coragem, pelas nobres brigas contra CBF, FIFA, cartolas indecorosos, políticos inescrupulosos, não conseguiu dirimir significativamente as mazelas do esporte, do mundo. Juca: você fez muito. Sem você o futebol brasileiro seria ainda pior. O quase sempre desprezível – e desprezado – jornalismo esportivo seguiria no fundo das redações, relegado aos mais limitados intelectualmente. Você me emociona, Juca. E se não fosse você – e aí talvez esteja um dos seus fracassos –, eu não existiria. Nisso você tem culpa, Juca.

Darcy Ribeiro

Um dos motivos pelos quais Darcy afirma que acabou derrotado, é por não ter alfabetizado a população brasileira. Ô, Darcy... Sem você... Amenizando o suposto erro de Juca: eu não existo; logo, seu “crime” não gerou desdobramentos. Eu, sim, fracassei. E cansei. Não tenho talento, energia, vocação para ser Juca. Como já falei em “Depois é nunca”, acreditava ser possível postergar o vigor, o ímpeto, a voracidade juvenil das tentativas de ser Proust, Schopenhauer, ou Stephen Malkmus – enquanto mantinha o pragmatismo para me sustentar no jornalismo – para meu tempo livre. Hoje não tenho cacoete para voltar às fartas ambições que carregava.

Fracassaria

Fracassaria nas investidas para ser gênio. Mas ter tentado, e fracassado, seria melhor do que ter postergado e sequer ter levado o “não” – merecido – do mundo. Hoje fracasso enquanto jornalista esportivo, intelectual que não existe, e “idealista”, corajoso abandonado pelo universo, esquecido e incompreendido pelos amigos (?), sem respaldo por ter preocupado demais com princípios, sem a riqueza de outrora quando jogava bem – talvez meu único talento, mas também perdido – o jogo do animal gregário.

Esquema perfeito

O Galo tem tomado pouquíssimos gols. O esquema perfeito normalmente posiciona tão meticulosamente no lugar certo, da forma correta, o próprio time, o alinhamento entre todas as peças possíveis e imagináveis revela-se tão bem ensaiado e executado, que parece que se combinou tudo com o próprio concorrente. O Galo exala retaguarda irretocável. A hipérbole mencionada não vale para ele. Nem para Renato Gaúcho, vítima de ilação irresponsável. Mas na vida, a descrita perfeição acontece.

“Anímico”

Quem não tem fôlego nem crueldade e/ou frieza para jogar e/ou ignorar... Perde. Mas não quero parecer relacionar minha derrota com qualquer qualidade. Sei lá se tenho alguma. Simplesmente perdi. Para a vida, para as circunstâncias... Sigo sem o fôlego para batalhar como Juca; me arrependo por não ter cuidado das minhas produções – ruins –, mas ainda assim... Às vezes admiramos no próximo a coragem para fazer o que gostaríamos, e para o que afinamos. É o meu caso.

Shame

6/1. Tradução: eu me odeio e me amo. Não procuro nem mulher nem homem. Mas eu não me amo. Stone Roses: eu amo apenas eu. Meu caso?