Cadu Done

Everson e a grande beleza

Publicado em: Sex, 23/07/21 - 03h00

Paolo Sorrentino imortalizou um dos mais sensíveis cânticos de ode à beleza já vistos. Na sua obra-prima, nos entorpecemos com uma arte capaz de nos tirar do prumo, de nos levar para outro lugar – às vezes acho que desligando nossa vontade por preciosos instantes, como diria Schopenhauer; em outros momentos, creio que simplesmente afirmando com todas as forças impulsos primais do nosso âmago, conforme cravaria Nietzsche; talvez o correto esteja numa intrincada mescla das duas coisas. A estonteante, quase opressora grandiloquência da arte clássica italiana; uma Roma que se transforma em personagem e se impõe em um incomparável esplendor; o rosto, a lembrança da mulher amada: gatilhos que nos transportam para dentro do amor calcado na mais profunda estética – não na superficialidade de avaliações/padrões pouco sentidos, meramente detectados.

O tamanho do futebol

Me perco elucubrando se o esporte pode chegar ao patamar da genialidade, nos embeber no mesmo grau com que a arte genuína, de primeira grandeza – sim, é possível, em certa medida necessário, manter senso de hierarquia no que tange às manifestações intelectuais, aos produtos artísticos –, consegue nos tomar de assalto. Pensemos em David Foster Wallace, na maneira estonteante com que ele descreve a experiência religiosa acoplada à fruição do jogo de Federer, ao balé com que o suíço nos brinda. Pincemos o magnetismo intangível da classe exalada por Zidane – capturada pelo brilhante Mogwai, encapsulada em música instigante. O basquete de Durant.

Batida

No esporte, a grande beleza nem sempre está no gesto, na linguagem corporal hipnotizante. A fruição única, inefável, vira e mexe se encontra na narrativa, na sequência de eventos. O velho e surrado roteiro de redenção, banalizado em matérias batidas da mídia à caça dos cliques fáceis, chega a nos repelir justamente por ressoar como platitude. Mas os detalhes, o grau... O que aconteceu com Everson na terça sobrepujou o velho papo: raramente o “do inferno ao céu” materializou-se tão mágico.

Redes sociais

A ânsia de lacrar nas redes sociais é uma das doenças do nosso tempo. E o jornalismo está gravemente contaminado. Eugênio Bucci tem escrito ótimos textos a esse respeito. A escalada abrupta do goleiro do Galo rumo à glória eterna haveria de ensinar. Outros episódios assaz didáticos, porém, não educaram. O tweet sedento por engajamentos não espera o fim da partida. Não se segura nem por míseros minutos para se informar que, sim, o gol foi anulado. Everson e os julgamentos apressados...

De onde vem?

Regurgitou-se interminavelmente: eis o pior Boca da história. Impressiona a mania de aderir a discursos sem o menor embasamento, sem qualquer pesquisa para sustentar “teses”. Os “Xeneizes” já encantaram com esquadrões melhores – mas também já assustaram com conjuntos inferiores. Mais do que isso: como Descartes, cultivemos a dúvida; sejamos humildes e cuidadosos nas abordagens: não me sinto seguro para posicionar com exatidão o nível atual do gigante argentino.

Riquelme

Melancólico testemunhar um craque que desfilou nos campos com tanta delicadeza virar um cartola que chora com imensa tosquice.

Subestimando

Arana, Keno, reservas importantes: ausências significativas que não vêm sendo devidamente contextualizadas em muitas análises.

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