Cadu Doné

Treinador sai, a barca fica

Há um dilema frequentemente ventilado no futebol brasileiro, mas pouco examinado de modo consistente, profundo, organizado

Por Cadu Doné
Publicado em 16 de junho de 2021 | 16:27
 
 

Treinador sai, a barca fica

Há um dilema frequentemente ventilado no futebol brasileiro – mas pouco examinado de modo consistente, profundo, organizado: qual o equilíbrio entre conceder autonomia ao treinador e, ao mesmo tempo, não ficar “na mão dele”? Obrigar o comandante do elenco a erigir o coletivo com um material muito diverso daquele que gostaria, não respaldá-lo minimamente para colocar em prática apropriadamente suas ideias táticas, pode ser problemático – inclusive por, de certa forma, criar margem para o próprio alegar, em caso de insucesso, que uma cobrança acentuada se provaria injusta, na medida em que não foi possível fazer o que ele desejaria. Por outro lado, não se mostraria arriscado confiar o poder de montagem do plantel a um funcionário do clube que na hierarquia da instituição não surge como uma figura fixa e antenada com o planejamento do todo?

Longevidade dos técnicos

Ponto importante em meio a este impasse: precisamos apreciar a robustez do apoio que cada “professor” receberia no seio da agremiação em que se encontra. A diretoria realmente enxerga este empregado como alguém que permanecerá no cargo em longo prazo independentemente das intempéries naturais às disputas esportivas? Há fidedigna crença na capacidade desta pessoa de liderar um grupo, e de executar uma filosofia que agradaria seus superiores? Sim, sabemos que normalmente, no ludopédio tupiniquim, sequer há fidelidade a preceitos teóricos bem demarcados; a mera solidez da proteção que o indivíduo em tela ganharia, em si, porém, é central aqui.

Sem sentido

Não tem cabimento outorgar carta branca para alguém indicar jogadores que celebrarão contratos de anos se aquele que endossa os negócios sairá em breve – para dar lugar a outro sujeito que provavelmente não prestigiará as peças queridinhas de outrora, e, pior, demandará a aquisição de uma turma de sua preferência. Estes ciclos confusos, efêmeros, posicionam os times num looping de eterna instabilidade; os gastos vão se acumulando e não se consolida uma base que vai encorpando organicamente.

Conceição x Cruzeiro

Felipe Conceição gozou de generosa dose de força para direcionar saídas e chegadas. Pediu Joseph, Flávio, avalizou o empréstimo de Alan Ruschel... Antes de usufruir infimamente dos predicados dos seus pupilos, acabou despedido. E agora? Levando-se em conta que Mozart seguirá outras trilhas, escanteando determinados nomes que vinham com status de prioridade, e abrindo as portas para novidades, inevitável a inquietação: a conta fecha? E a relação custo-benefício? E as despesas evitáveis?

Moral da história

A não ser que os cartolas vejam o técnico como um representante confiável da instituição, que será parte integral, essencial para um largo leque de ações que orientarão o próprio cerne do presente e do futuro do clube, independentemente de percalços advindos de resultados pontuais em campo, não faz sentido ele carregar acentuada autonomia no que tange ao mundo dos negócios. Isto quer dizer que o treinador não terá voz alguma? Não. Ouvi-lo continuará importante.

Desperdício

O panorama traçado leva agremiações a gastarem fortunas com atletas que sequer figuram em seus quadros – e defendem inimigos.

Refugos

Com a benção de Conceição, a Raposa errou feio ao buscar renegados do América e ao desistir precipitadamente de Alan Ruschel.