Cida Falabella

Vereadora de Belo Horizonte pelo PSOL

Cida Falabella

Acabou a mamata?

Publicado em: Qui, 06/05/21 - 03h00

Dona das divinas tetas/

Derrama o leite bom na minha cara/

E o leite mau na cara dos caretas

(Caetano Veloso, em “Vaca Profana”).

Lembro de Fernanda Montenegro no programa do Faustão, em 2018, dizendo que “nós, artistas, não somos responsáveis pela derrocada econômica deste país”. “Não somos corruptos! Somos dignos!”, frisou. Ela se referia às tentativas bolsonaristas de impregnar o ódio aos artistas e à atividade cultural no imaginário dos brasileiros. No mesmo ano, as fake news que venceram a eleição presidencial atacavam a lei “roubanet” para disseminar a falsa impressão de que todo o fomento à cultura brasileira serve para beneficiar uma turma de “vagabundos” que organiza esquemas ilegais de favorecimentos generalizados.

Lei Rouanet é o apelido correto da legislação instituída em 1991 pelo governo Collor, quando Sérgio Rouanet foi secretário de Cultura. Com o mote “cultura é um bom negócio”, o modelo do incentivo fiscal (que oferece dedução de impostos a empresas patrocinadoras) se difundiu pelo país, trazendo recursos nunca vistos para o setor. Hoje, as leis de incentivo movimentam uma rede produtiva de enorme interesse público, que estimula a economia criativa nacional e garante renda a milhões de trabalhadores em todo o país. Em tempos de emergência climática, é uma economia colaborativa e limpa. Na pandemia, ela agita as redes sociais para tratar nossa tristeza e solidão.

Diante da perseguição, temos que ressaltar que os recursos de renúncia fiscal só chegam após análises técnicas rigorosas ou editais públicos exigentes; os processos seletivos são idôneos e feitos com participação social; e as prestações de contas são detalhadas e acompanhadas por órgãos de controle. A CPI que investigou irregularidades confirmou que os casos de apropriação indevida de recursos são residuais e indicou caminhos para aperfeiçoar a Lei Rouanet.

Sempre critiquei a centralidade do incentivo fiscal nas políticas culturais. De viés liberal, esse modelo concentra recursos, transfere decisões sobre o uso do dinheiro público para a iniciativa privada, e acaba tratando as delicadezas da cultura como se fossem grandes licitações da construção civil. Sempre defendemos a priorização da cultura viva, com destinação direta de orçamento por meio de seleções públicas e critérios transparentes. Nossa luta pela correção de distorções e pela diminuição da burocracia não pode ser confundida com facilitação ou malfeitos.

O governo Bolsonaro dispensa retrospectivas na cultura. Do vídeo com apologia ao nazismo à entrevista da namoradinha do Brasil, há um compromisso estratégico com a destruição moral, econômica e política de todo o setor cultural, e a política de incentivo fiscal não ficaria de fora. Enquanto os recursos captados diminuíam, cortaram “Rouanet” do nome oficial, aumentaram as exigências burocráticas durante a pandemia e substituíram a análise colegiada de projetos pela decisão monocrática de um “gestor” bolsonarista completamente desconectado do setor.

Além da censura às artes, parece haver uma orientação explícita para asfixiar as políticas culturais, criando entraves administrativos e, agora sim, aparelhando instituições para paralisá-las ou até extingui-las. Uma censura administrativa apoiada no combate à corrupção, tipo um “lava-jatismo cultural”.

A bancada do PSOL denunciou essa conduta absurda da Secretaria Especial da Cultura ao MPF, pedindo a apuração da lentidão na análise de documentos, além dos indícios de perseguição ideológica a propostas de conteúdo distinto da orientação política do governo, como aconteceu com o Instituto Vladimir Herzog. Antes de xingar a cultura, pense bem qual é a verdadeira “mamata”, quem são os caretas que a defendem e qual família ela alimenta. Isso, sim, precisa acabar!

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