Cida Falabella

BH é rua!

Espaço precisa de iniciativa a diálogos constantes

Por CIDA FALABELLA
Publicado em 14 de dezembro de 2023 | 07:20
 
 
Ilustração/O Tempo

Nesta semana, em que Belo Horizonte completou 126 anos, fiquei pensando no que faz da nossa cidade mais “nossa”, mais cenário de memórias afetivas, de identificação. Em primeiro lugar, me veio o lugar-comum mais explorado comercialmente: a comida. Basta dois ou três dias fora daqui para começarmos a sentir saudades do pão de queijo com café, do cheiro de alho e temperos caseiros perfumando a cozinha mais próxima. Mas, além da nossa comida, reconhecida internacionalmente, acho que o que faz da nossa cidade mais “nossa” é a ligação forte que temos com a rua.

A Belo Horizonte que amamos acontece na rua. Nas calçadas de bairro, em que sempre há uma vizinha a cumprimentar e comentar brevemente da vida. Nas calçadas do centro, onde sempre ecoa música – dos lojões populares, dos bares e restaurantes, dos bailes aos fins de semana. Nas praças ocupadas pela juventude, fazendo batalhas de rimas por toda a cidade, e também pelas crianças, velhos e velhas, pessoas que cuidam – de gente e dos bichos.

E das próprias vias públicas, disputadas por milhões de carros e motocicletas nos dias úteis e também por multidões de pessoas no Carnaval e nas manifestações políticas.

Reconhecer a potência da nossa relação com a rua é reconhecer o potencial da nossa cidade – de cultura, de convivência, de estímulo ao comum, com suas belezas e atritos. É reconhecer nossa alma.

E, por falar em atritos da vida urbana, no último fim de semana um debate antigo voltou a ocupar as manchetes de jornal: o horário e as condições de funcionamento dos bares nas calçadas da cidade. Estabelecimentos icônicos da região do Mercado Central, como o Bar do Fernando, tiveram seu mobiliário recolhido por fiscais da prefeitura e, na impossibilidade de abrigar os clientes dentro das lojas, tiveram que encerrar a noite mais cedo.

Este dilema é também cultural: ao mesmo tempo que BH é reconhecida como a “capital dos bares” e por sua boemia noturna, nosso anseio por uma tranquilidade quase bucólica faz da convivência entre esses dois mundos um desafio, que precisa de menos imposições e mais iniciativas a diálogo constante. Além, evidentemente, do debate sobre gentrificação e políticas públicas higienistas.

Falando das belezas, temos muitos motivos para nos orgulhar da nossa cultura de rua. Neste semestre, junto com outros mandatos da Câmara, visitamos sedes de escolas de samba e associações e blocos de Carnaval, que constroem, desde a fundação da cidade, em 1897, uma das nossas principais manifestações culturais de rua.

Nessas visitas, aprendi que nossa história centenária de cortejos de rua é importante fonte de inspiração não só para pensar em formas de proteger os vários Carnavais que coexistem durante o ano, mas também para construir a cidade que queremos: democrática, com espaço para todo mundo poder existir e viver feliz, no centro e nas periferias.

Na última semana, tivemos boas notícias: depois de quase 20 anos de luta, nossa cena do hip-hop, já nacionalmente famosa, finalmente está sendo reconhecida pelo poder público como uma de nossas maiores potências culturais.

Além da Lei das Batalhas de Rimas, Saraus e Slams, da qual sou autora junto com Iza Lourença, Pedro Patrus e Bruno Pedralva, sancionada pelo prefeito na última sexta-feira em uma bonita cerimônia; o viaduto Santa Tereza, onde acontecem múltiplas manifestações culturais urbanas, incluindo o Duelo de MCs, receberá investimentos públicos em estrutura e será a nova casa do Centro de Referência das Culturas e Artes Urbanas.

Viva! Lembrar dessas conquistas tão importantes e das lutas que as originaram é combustível para seguir fazendo o meu trabalho sempre pensando no bem da cidade e no bem de quem ainda está por vir. Da criatividade que pulsa das ruas de tantas formas, escreveremos ainda muitos capítulos da nossa história.

CIDA FALABELLA é vereadora em Belo Horizonte (PSOL)