Cida Falabella

É por você também, Julieta

Símbolo de emancipação feminina

Por Cida Falabella
Publicado em 11 de janeiro de 2024 | 07:10
 
 
Cida Falabellajpg Foto: Ilustração/O Tempo

Na primeira semana do ano, a notícia de um crime brutal me deixou arrasada e chocou o país: durante sua jornada de bicicleta pelo interior do Brasil, Julieta Hernandez, a palhaça que conhecíamos como “Miss Jujuba”, foi cruelmente assassinada. Um feminicídio chocante, que nos coloca diante da fragilidade que compartilhamos enquanto mulheres em um país ainda profundamente misógino e desigual.

Julieta era imigrante venezuelana. Vivia no Brasil desde 2015, sempre acompanhada de sua bicicleta e de seus apetrechos – figurinos, instrumentos e ferramentas de viagem. Em um vídeo do Palhaços Sem Fronteiras, ela diz que seu trabalho a permitia oferecer outra visão sobre seu país natal, desconstruindo preconceitos para minimizar a discriminação contra seus compatriotas. Infelizmente, ondas de fake news, aliadas a políticas públicas de acolhimento enfraquecidas pelos governos Temer e Bolsonaro, fazem com que os venezuelanos sofram com ataques xenofóbicos, em especial na região Norte do Brasil, e em particular as mulheres, que chegam ao país em situação de grande vulnerabilidade. As mulheres migrantes, que representam 40% do total de migrantes venezuelanos que se registraram no Brasil nos últimos anos, precisam ser incluídas nas políticas para mulheres.

Julieta era palhaça. Como artista circense, cantava e fazia apresentações de palhaçaria nas grandes e pequenas cidades por onde passava, não apenas por amor ao ofício, mas também como seu ganha-pão. A cultura circense, ao mesmo tempo que tem a itinerância mambembe como princípio, sofre há anos com a desvalorização dos seus ofícios tradicionais, com trabalhadores e trabalhadoras vivendo em condições muitas vezes precarizadas. Englobar o circo nas políticas públicas para as artes, fazendo com que esses artistas sejam valorizados pelo trabalho que fazem por uma vida inteira, é fundamental.

Julieta era cicloativista. Cicloviajante, como ela se denominava. Uma ousadia, em um país com uma das maiores taxas de mortalidade no trânsito do mundo, e onde as ciclovias representam apenas 1% da malha viária das cidades, que são pensadas cada vez mais para carros. Anualmente, batemos recordes de acidentes de trânsito graves e atropelamentos de pedestres e ciclistas. No ano passado, aprendi com ativistas da bike que estiveram na Câmara de BH que mais de um terço das viagens feitas no país é a pé ou de bicicleta, uma vez que grande parte da população não tem dinheiro para gastar com transporte. Quando lutamos por transporte coletivo de qualidade, por tarifa zero e por um trânsito mais gentil, queremos dizer também de cidades acolhedoras, onde as pessoas possam ir e vir com segurança.

Julieta era uma mulher. Uma mulher que ocupava o espaço público. Uma mulher que vivia de arte. Uma mulher que escolheu um ofício dominado por homens. Uma mulher que viajava sozinha pelo Brasil, apesar do medo, construindo uma rede de apoio, afetos e reconhecimento. Uma mulher com sonhos em cima de uma bicicleta, leves como asas. Uma irmã feminista. Uma mulher assassinada por ser mulher e tantas coisas mais. Uma mulher em um país que ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídios, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. A violência que ceifou sua vida pode acontecer com qualquer uma de nós, independente da idade, de onde, como ou com quem estamos. Não estamos seguras.

A vida de Julieta será, para nós, símbolo de emancipação. E a indignação por seu assassinato será energia para seguirmos lutando por tanto, por todas. Julieta, Miss Jujuba, presente!