Cida Falabella

O tema do momento é... “cuidados”

Assunto apareceu no Enem e está ganhando o mundo

Por CIDA FALABELLA
Publicado em 16 de novembro de 2023 | 07:10
 
 
Ilustração/O Tempo

Estava em casa no domingo pós-feriado, quando meu celular apitou várias vezes na mesinha da sala. Preocupada, peguei o aparelho para ver qual era a urgência e, no grupo de WhatsApp da assessoria, as pessoas estavam comentando e celebrando a notícia de que o debate sobre o trabalho de cuidados tinha sido escolhido como tema da redação do Enem 2023. Uma escolha acertada e emblemática do momento que vivemos: uma semana antes, tínhamos feito um bonito seminário na Câmara de Belo Horizonte, exatamente com o mesmo tema, enchendo o plenário principal e a Fazendinha Dona Izabel com mulheres de várias regiões da cidade e da região metropolitana dispostas a discutir o cuidado como política. 

Nas redes sociais, onde publiquei uma reflexão rápida sobre o tema com base nos aprendizados que venho acumulando desde o início do ano, o assunto reverberou por vários dias, com vertentes interessantes de reflexão. Gostei, por exemplo, de ver muitas pessoas lembrando que esta é uma discussão antiga dentro do feminismo e que o trabalho de cuidados não é sinônimo de trabalho doméstico: é também o trabalho feito por profissionais da saúde (médicas de família, enfermeiras) e da educação (professoras, pedagogas), por exemplo, e que ainda é muito malremunerado. Já na imprensa, circularam reportagens de fôlego sobre o tema com depoimentos de mães e mulheres que atestam a dimensão cotidiana, e muitas vezes invisível, do trabalho de cuidados. 

É evidente que, na dimensão individual, somos muito impactadas pelo trabalho de cuidados. Porém, para discutir o tema com profundidade e ir além do óbvio, é preciso pensar no impacto coletivo do trabalho de cuidados na vida das pessoas. 

Tomo aqui casos emblemáticos que aconteceram nos domingos de prova do Enem e que ganharam repercussão nacional: o das mulheres mães que chegaram atrasadas e perderam a prova porque antes precisaram deixar os filhos em outros locais de prova. Para resolver o prejuízo dessas mães, não bastaria que o pai ou outros familiares se responsabilizassem pelo deslocamento dos jovens vestibulandos, o que já é uma tarefa em uma cultura ainda profundamente machista.

Seria preciso discutir também, na perspectiva dos cuidados, sobre transporte coletivo eficiente, de qualidade e preferencialmente gratuito; sobre planejamento urbano e condições de moradia e acesso; sobre políticas universais de remuneração e jornadas de trabalho que não ocupem todo o tempo útil das pessoas; sobre outras políticas de acesso ao ensino superior que sejam mais inclusivas, por exemplo. Pensar em cuidado como política é pensar nas cidades como espaços de bem viver coletivo, onde o lucro/benefício de alguns poucos não seja o principal imperativo. 

Orientada por esse princípio, que trago comigo desde que tive a oportunidade de participar do La Cuida, evento internacional sobre economia dos cuidados que aconteceu na Colômbia, em junho deste ano, quero fazer do meu mandato de vereadora um espaço de cocriação de políticas públicas que reconheça as experiências das pessoas que estão nas bordas da cidade e já elaboram alternativas comunitárias de cuidado.

É o caso dos Pontos de Cultura, que constroem cidadania em territórios vulneráveis da cidade, das hortas e cozinhas comunitárias, dos centros de convivência para idosos e crianças. Sempre que levanto esse debate, vejo o quanto nossa cidade tem potencial para ser referência nacional e internacional nesse assunto. Amanhã, parto para Montevidéu, capital do Uruguai, para aprender ainda mais sobre o tema e dialogar sobre o que estamos fazendo por aqui, com o coração cheio de esperança de que outra política é possível. 

CIDA FALABELLA é vereadora em Belo Horizonte (PSOL)