Cristovam Buarque

A lição da Bolívia

Ex-presidente condenada por contestar resultado eleitoral

Por Cristovam Buarque
Publicado em 17 de junho de 2022 | 03:00
 
 
Artigo A lição da Bolívia, de Cristovam Buarque Infografia O TEMPO

No mesmo dia em que o ministro da Defesa mandou carta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), insinuando desconfiança quanto à transparência do processo eleitoral, a democracia boliviana condenou sua ex-presidente a 10 anos de prisão, por ter contestado os resultados eleitorais que reelegeram o presidente Evo Morales.

A Bolívia era símbolo da “democracia de banana”: seus presidentes constantemente destituídos e substituídos por militares ou civis. Até que o país fez sua redemocratização e elegeu o primeiro presidente em 1982. A partir de então, todos os resultados eram respeitados. O rigor democrático só ficou sob suspeição quando a eleição de Evo Morales foi contestada, devido a uma vantagem mínima sobre seu opositor.

Morales fez a primeira interferência dentro do marco legal ao induzir a reforma da Constituição que lhe permitiu reeleições sucessivas, cujos resultados apertados levaram ao golpe dado pela presidente do Congresso, sucessora legal, agora condenada a dez anos de prisão, como golpista.

Enquanto isso, no Brasil, temos um presidente que se prepara para dar um golpe e continuar no poder, mesmo se derrotado. Sua arrogância e estupidez permitem alertar para o que está preparado: levantar suspeita sobre a apuração com urnas eletrônicas. Hoje, isso ainda é uma ficção, fantasia, tanto quanto seria imaginar a tentativa de golpe do ex-presidente dos EUA Donald Trump.

Não seriam disparados tiros, o Congresso funcionaria com a maioria do centrão e outras forças, tudo garantido pelas Forças Armadas, cuja tradição se presta a esse tipo de intervenção.

Ação dos militares e a eleição no Brasil

Por isso, a lição da Bolívia é tão importante ao condenar a ex-presidente Jeanine Anès. Também a lição que vem do Congresso norte-americano que apura a tentativa de golpe por Trump. Golpe que serve de receituário para Bolsonaro. Com a diferença de que nossas Forças Armadas não têm a tradição democrática e respeitosa das instituições e do poder civil que têm as dos EUA. O presidente, os comandantes militares e parlamentares civis precisam perceber que desta vez não haverá anistia para os crimes de desobediência à ordem democrática.

Os democratas brasileiros também precisam considerar que o presidente, seus ministros e as Forças Armadas estão avisando que não vão reconhecer a derrota do Bolsonaro. Por isso, desde já, os democratas devem agir com a única arma que têm: o apoio da população ao trabalho do TSE com as respeitadas urnas eletrônicas, apurando a vontade manifestada pelo povo, no voto.

Não é momento para divisão no primeiro turno, mas para vitória acachapante contra a minoria que está ao lado do golpe. Fazendo as urnas silenciarem as armas, não importa o que pense, o que sinta e o que ordene o ministro da Defesa.